Saber vencer

Há mais de dois anos que estava à procura de algo diferente para a minha vida. Trabalhava, como doméstica, desde muito nova, mesmo, ainda, dentro do período escolar obrigatório. Atingi, no topo, um nível altíssimo de infelicidade. Desejava mudar, melhorar, ter a minha própria casa e ser independente para deixar de sobrecarregar os meus pais. Entretanto, tudo era complicado. Sempre gostei de ler. A leitura educa e ensina. Passei a assistir a palestras com empreendedores na vertente comercial, na base de relações públicas, que me deram uma certa maturi­dade. Sabia que tinha de planear para, no futuro, poder alcançar re­sultados.

Estudava à noite. Queria melhorar os meus conhecimentos e, se possível, conseguir uma licenciatura. Como os rendimentos não permitiam recorrer ao ensino particular, que se situava perto de mim, passei a frequentar o público. Tinha de percorrer enormes distâncias, visto re­sidir numa zona periférica da cidade, sujeita a todos os condicionalis­mos dos transportes, mais agravado por ser nocturno. Inclinei-me pela informática, atendimento ao público, técnicas comerciais, bem como em áreas contabilísticas. Neste meio tempo, claro, ia procurando emprego. Diziam, sempre, perante o meu currículo, que não havia nada.

Abandonei o serviço doméstico. Passei a trabalhar na hotelaria, lançado mão, nas horas vagas, a bilheteira em casas de espectáculos e a vender seguros, viagens, livros e cursos por correspondência, de por­ta a porta e até a massagista, por vocação, de vez em quando, a pessoas conhecidas.

Neste caminhar, mudei a tendência do estudo na presunção de ser professora. O meu estado de espírito passou a colidir com esta conjectura. Não me adaptaria à sala de aulas, pois verifiquei que não possuía a necessária didáctica. Estudei, também, comunicação e oratória. Procu­rei ser locutora de rádio e televisão. Nada deu resultado.

Um dia, uma amiga a quem fazia massagens, disse-me:
– Tu, devias seguir em frente, como massagista, para ganhares di­nheiro. A tua massagem é repousante e mostra habilidade. És muito boa no que fazes.
Na hora, esta recomendação, não a levei a sério. Depois, apercebi-me que tinha dom, mas faltava a técnica. Reflecti… Meia angustiada de não saber o que fazer e o desejo gritante de vencer, atirei-me de cabeça. Abracei a ideia com todas as minhas forças. Precisava, então, de fre­quentar e concluir um curso, nesta área de trabalho.

Com o curso acabado, com sucesso, constatei que me faltava o material necessário, como profissional, para dar início, a sério, a esta actividade. Possuía, somente, umas escassas economias. Os recursos dos meus pais também eram limitados.

Não podia recorrer aos bancos por carência de crédito. Neste emaranhado de problemas encontrava-se afastada a ideia de alugar um local, apropriado, devido, então, à falta de meios. A minha única e maravilhosa saída foi a de oferecer massagens em domicí­lio, através do telemóvel e do telefone fixo da casa dos meus progenito­res. Havia encontrado um diferencial, pensei – deslocar-me à casa dos clientes. Mandei fazer alguns cartões de visita e comecei a divulgar a di­ligência, de maneira tímida. Era difícil abordar as pessoas. O início foi bastante complicado. Chorava, no íntimo, porque não conseguia ter clien­tes. Andava de bicicleta, que adquiri e seguia, pedalando, de sacola ao ombro, pedalando…

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Um ano, depois, as coisas começaram a melhorar. Pude colocar anúncios na rádio local. Comprei uma motorizada e, mais tarde, um automóvel tipo carrinha para me fazer acompanhar de todos os apetrechos para a finalida­de em vista. Caprichei na publicidade, um tanto, na onda do panfleto.

Aos poucos, as pessoas foram-se acostumando, comigo, atenta a ideia da massagem corporal com o atendimento ao domicílio.
Mesmo assim, realmente, não foi fácil, nem está sendo. Ainda tenho de driblar o preconceito e, às vezes, até o racismo. Mas com um pouco de serenidade, criatividade e simpatia, tudo se vai resolvendo.

Trabalho todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Não tenho horá­rios. Quando o telefone toca, então, sim, estabelecemos a hora de atendimento. Mas perante toda esta coragem que desenvolvi, muitas vezes, com desalento, valeu e continua, valendo, o esforço despendido. Lazer e na­moro têm ficado para segundo plano, porque nem todo o companheiro aceita que massageie mulheres e outros homens.

Com o caminhar persistente do trabalho e a mentalização das pessoas, tudo tem vindo a modificar-se. Os bancos já me concedem crédito e conse­gui, através de um empréstimo, comprar a minha habitação. Morar em minha própria casa, onde montei o atendimento directo aos clientes, foi um so­nho realizado, aliado, também, a um objectivo, no tempo, concretizado.

Nota: – Este conto, por vontade do autor, não segue a regra do novo acor­do ortográfico.

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