Foi Masson um dos maiores e melhores artistas europeus a praticar o “desenho automático”, desenvolvido pelo Surrealismo, tal como viria a acontecer com Jean Arp, Salvador Dalí e Juan Miró. Para trás, deixava Masson etapas importantes da sua vida, tal como o facto de ter começado a estudar Artes com onze anos de idade, o ter começado a demonstrar grande interesse pelo Cubismo nas suas primeiras obras e o facto de isto ter coincidido com a sua mobilização militar no decurso da I Grande Guerra Mundial (1914-18) durante a qual, aliás, haveria de ficar gravemente ferido.
O “Automatismo” foi concebido pelo Poeta André Breton, o grande teórico do Surrealismo, e o conceito começou por valer para a criação literária. Como forma de contornar o controle auto-imposto pela razão, o preconceito, a cultura imposta pelos regimes dominantes e libertar o mundo e os mundos submersos no subconsciente, demonstrou ser um êxito. A “escrita automática” consiste em redigir rapidamente, sem que haja temas previamente escolhidos, sem qualquer tipo de controle sobre a forma, o léxico e a gramática, abandonados os nexos, a coesão e a lógica do discurso. E este tipo de processos muito facilmente podem ser aplicados ao Desenho e à Pintura. Assim, seja pela escrita, pelo desenho ou pela pintura, o subconsciente abrirá o seu caminho através dos mecanismos de vigilância da razão e da moral e afirmar-se-á, em toda a sua grandeza, à luz do dia.
Anote-se também que André Masson terá dito, um dia, que “as imagens automáticas envolveram um duplo processo de actividade inconsciente e consciente”, o que importa, pelo menos, um programa estético interveniente na produção das obras de arte libertárias (V., p.f., o artigo “VII. Redon”, na rúbrica “Amados Quadros” d`”A Aurora do Lima” N.º 3, Ano 167, de 27.01.2022).
Se, em “Na Erva” de 1934, André Masson nos seduz com um aparentemente inocente fresco da vida dos insectos por entre a colorida vegetação do Verão, enquanto, perante a nossa observação, as formas pontiagudas e ameaçadoras de bichos e ervas vão criando em nós crescentes apreensão e pressentimentos de morte, crueldade e destruição, neste “A Metamorfose dos Amantes, ele consegue ir mais longe. Aqui, o autor leva as coisas até às últimas consequências. E estas obrigam, inclusive, à Humanização da natureza e à Bestialização de tudo quanto é humano. Aqui, a Vida abre as portas à Morte e a Morte abre as portas à Vida, para que tudo quanto existe possa continuar a sua inexorável marcha em direcção ao futuro: um charco tenebroso de onde irrompe um magnífico nenúfar, como o que nos aguarda no primeiro plano do quadro. De onde irrompem um ser masculino, à esquerda do observador, que, no auge do seu orgasmo, penetra e fertiliza a figura feminina, à direita, em cuja boca balança o “fruto proibido”. Tudo se passa num simultâneo cósmico: o ser masculino “grita” uma flor que, carregada de pólen, no mesmo instante se materializa tal como o nenúfar do charco, ascendendo do útero do ser feminino e preparando-se já para seguir viagem e dar continuidade a todas as energias que a trouxeram até aqui. A este Presente Eterno.
N.R. – O Autor não segue as normas do novo Acordo Ortográfico.