Os cabeçudos e gigantones são ícones da “romaria das romarias”. Tradição iniciada em 1893, que atrai e alegra os visitantes, criando um ambiente festivo peculiar, a rodopiarem ao som dos bombos e concertinas.
Francisco Cruz é artesão e professor de Educação Visual, Educação Tecnológica e Educar para a Arte na Escola Pedro Barbosa, onde criou uma Oficina de Gigantones e Cabeçudos. Passada a fase aguda da pandemia, voltou, com perto de uma centena de alunos, a construir e expor a “tradição dos gigantones e cabeçudos”naquela unidade de ensino.
A mostra pode ser visitada até setembro, no átrio principal da escola. A Aurora do Lima visitou-a e conversou com Francisco Cruz.
Desde quando é que vem esta sua ligação aos gigantones e cabeçudos?
Desde miúdo. Sou natural de Viana do Castelo, nasci em Monserrate, e desde a minha infância que vejo os cabeçudos com muito agrado e alegria. No início da minha carreira como professor, logo no 3.º ano de trabalho fiquei colocado em Darque, na Escola Carteado Mena. Com os alunos, na disciplina de Projeto, investigamos o que era característico da vila de Darque e surgiram os cabeçudos. Estes apareceram, pela primeira vez, num cortejo na Romaria d’Agonia, em finais do séc. XIX. Quem os criou, nessa altura, foram uns artesãos que faziam trabalhos de artesanato em Darque. Os miúdos começaram a investigar e chegaram a falar com o sr.Maciel, sobrinho da falecida Taipeira (D. Arminda). Foi aí que surgiu o gosto de trabalhar com os miúdos.
Onde aprendeu a técnica?
Na verdade, é uma técnica simples. Falei com as pessoas que faziam os cabeçudos. Investigamos os taipeiros e taipeiras de Darque e, facilmente, consegui saber e perceber a técnica. Fiz bastantes pesquisas, falei com elementos da APPACDM que, na altura, já faziam cabeçudos e com outras pessoas ligadas à área. Rapidamente comecei a fazer cabeçudos. Há quase 30 anos que os faço.
Segundo Maria Emília Vasconcelos, esta tradição tem origem na Galiza…
Ela investigou e tem bastante fundamento o que diz. Portanto, nessa altura, em finais do séc. XIX, alguém daqui de Viana trouxe esta tradição de Santiago de Compostela. Precisamente no dia 25 de julho, Dia de Santiago, passeiam-se lá os gigantones em frente da catedral. A ideia veio para Viana do Castelo, a fim de participarem no cortejo. Desde essa altura, participam gigantones e cabeçudos. Inicialmente, eles eram distribuídos em pares, o doutor e a doutora, o parolo e a parola, com uma série de pormenores.
Nesta exposição há uma variedade de trabalhos. O que representam?
Este ano trabalhei a área das pedras, na disciplina “Educar para a arte”. Os alunos fizeram e modelaram, com pasta de papel, em cima de pequenas pedras, o formato de um cabeçudo. Já outros foram para uma temática sem ser a tradicional. Também tenho aqui exposto trabalhos de 2019, que não tivemos oportunidade de mostrar por causa do confinamento, e alguns outros mais antigos feitos numa oficina, na qual também fui orientador. Alguns já tinham sido feitos com colegas que me antecederam. Estes são mesmo idênticos aos que usam nas festas. Há uns anos, numa festa no recreio da escola, eles rodopiaram, dançaram e embelezaram o ambiente.
Quantos alunos envolveu esta atividade?
Este ano trabalhei com cinco turmas do 5.º ano desta escola. Cerca de 18 a 20 por turma. A oficina dos gigantones e cabeçudos era destinada a 12/15 alunos. Eles não partiram logo para o cabeçudo. Primeiro há uma abordagem do que é isto dos cabeçudos, porque existe em Viana, qual a sua simbologia.
Estes (cabeçudos) nunca participaram na Romaria da Senhora d’Agonia?
Não. É complicado sairmos daqui por causa do transporte. A romaria é, na altura de férias, tanto para os miúdos como para os professores. Este é um trabalho de escola, de preservação e sensibilização da tradição e, até, de revitalização. Eles fazem coisas criativas. A partir dos cabeçudos tradicionais, inventam outros. Para mim é muito importante, porque vão ser eles os continuadores desta arte. É importante a escola proporcionar estas aprendizagens e eles levarem estes conhecimentos. Soube que miúdos e as próprias famílias já fizeram cabeçudos em casa. Muitos deles até já fazem artesanato dentro desta temática.
O que representa um cabeçudo?
Nos cortejos inicialmente apareciam sempre dois pares. Antigamente havia sempre um diabo, um índio, um preto, umas figuras características. Isto antes de 1984, ano em que faleceu a Taipeira. Até havia um cabeçudo com duas faces. Isto são os antigos, os da geração da minha infância. Ao longo das décadas foi mudando, as séries e os cabeçudos. Na Romaria d’Agonia, começava com um grupo de filhotes que rodopiavam e dançavam ao som dos Zés P’reira. Depois, apareciam os pares de gigantones. Seguido do Zé Povinho, com as barbas características. Tudo era uma representação popular.
Tudo isto tem a ver com o património!
Sim, é um trabalho de preservação do património cultural e artístico de Viana do Castelo. Não se fazem cabeçudos porque é uma máscara, é porque é uma imagem de vida. Pôr na mesa tudo o que existe em Viana; do agora e do antigamente, mesmo as roupas que eles usam é algo importante. Têm de ser alegres. Estas histórias dos gigantones não são só de Viana, há outras histórias pelo mundo fora. Todavia, Viana do Castelo tem contornos e características diferentes de outros países. Diferentes da Galiza, de Braga, de Torres Novas… mas, o idêntico, é ser feito em pasta de papel.
Nesta mostra, está patente um cabeçudo alusivo à Ucrânia…
Iniciamos este cabeçudo em 2019. Entretanto, com o confinamento e as aulas online, não conseguimos concluir. Este ano, infelizmente, com o aparecimento da guerra da Ucrânia, tínhamos este cabeçudo em branco e decidimos fazer em sensibilizando para a esta. Assim, partilhamos ideias, eu e os alunos, e ficou com a cor da bandeira da Ucrânia e ainda contém uma pomba da paz de dois países Rússia e Ucrânia) e uma poeAndresen, intitulada “Paz sem vencedores e vencidos”.