Jardim imaginário

Lembras-te mulher,

eram tão lindas as flores que plantamos,

lindo o jardim que tratamos

brilhando ao sol do nosso querer.

Dava gosto ver, muito gosto ver.

Mais do que um jardim, era o nosso sonho 

que iria nascer.

Fizemos ciúmes a quem nas cercanias 

ouvia os nossos risos, as alegrias, 

incapazes de igualar a nossa satisfação;

e nós, nesta natural simplicidade, 

íamos desfolhando a flor da idade

sobre esses canteiros em forma de coração.

Lembras-te mulher

das vezes que o nosso jardim murchou, 

a quantas intempéries se sujeitou,

mas nós, perseverantes, firme união,

cedo o fazíamos reviver.

Ajardinamos o nosso sonho

e dele resultou a realidade menos enganosa 

nesta vida que todos sabemos bem penosa.

Agora mulher,

embora no fatídico escorrer dos anos, 

apesar de crises desoladoras,

mesmo se sofremos imensos enganos

e as forças nos vão faltando, 

não contamos minutos nem contamos horas 

porque a nossa vontade é bem forte

e sabemos que só a morte

nos desligará deste relicário, 

este bem pessoal jardim imaginário.

Sabemos que as flores se vão finando 

e que as pétalas caídas uma a uma

se juntam à espessa bruma

que vai aniquilando os nossos ensejos. 

Está menos vistoso o nosso jardim,

mas o calor que ainda nos resta 

sustenta e apresta

a nau da nossa última viagem.

E nós, as flores, a nossa vontade, 

vamos sendo empurrados pela aragem, 

a implacável aragem da realidade.

Lembras-te mulher,

quando plantamos o nosso jardim

ambos sabíamos que um dia teria fim. 

Sabemos que o “outro lado” está perto, 

mas nesta compreensão,

vamos minimizando a nossa dor

cuidando do que nos resta com o mesmo amor, 

porque, até ao fim,

existirá sempre em nós uma força maior!

 

Eugénio Monteverde

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