Reconhecimento

Não sou nascido nem crescido neste concelho, pelo que sempre fui dizendo que vim cá parar por causa das saias. Efetivamente foi o casamento que me trouxe até esta bonita cidade.

Como, além da residência, fui exercendo a minha vida profissional por estes “lados”, por diversas vezes tive que referenciar o meu sogro para situar os meus interlocutores sobre as origens familiares da minha esposa, pois também era ele o único do seu agregado que era natural deste concelho, mais concretamente da freguesia de Darque, localidade a que sempre dedicou uma grande paixão e muito do seu tempo.

E lá ia dizendo que o meu sogro é “fulano de tal” e que trabalha em tal sítio. E, quer fosse pelo nome, ligações de parentesco, ou pelo nome da empresa onde exercia a sua atividade principal, ele era reconhecido pela grande maioria das pessoas que me questionavam.

Rapidamente me apercebi do orgulho que adquiri em dizer que era seu genro, já que ele era reconhecido pela sua participação cívica e qualidades humanas, e não porque tinha posições de relevo em instituições ou porque desempenhava cargos públicos ou de nomeação. Não é que, pelas suas capacidades e carácter, lhe tivessem faltado oportunidades ou convites, mas, embora nunca tenhamos abordado esta questão, sempre me pareceu que o que ele gostava mesmo era de participar e colaborar, mas mantendo sempre a sua liberdade de pensamento e de ação.

E daqui resulta outra qualidade que sempre reconheci ao meu sogro, foi a de aceitar com toda a naturalidade as divergências de opinião. Mesmo no seio familiar, nunca o senti incomodado por haver opiniões diferentes da dele, nem de querer levar os outros a pensar da mesma forma que ele. Pode-se dizer que era de uma independência selvagem – seguia por onde a consciência ou o querer o levava, fosse ou não do agrado dos outros, houvesse ou não pressões contrárias, possivelmente nem sempre bem, mas quem terá a moral necessária para o julgar?

Da mesma forma que os amantes do samba cantam «Quem não gosta de samba, bom sujeito não é (…)», posso dizer que não conheço ninguém, mesmo os que não alinharam com as suas ideias ou ideais, que, com espírito puro e em consciência, não reconheça o altruísmo, a tranquilidade, a dedicação e a amizade que ele espalhava em tudo que se envolvesse.

Escrever sobre o meu sogro daria matéria para muitas linhas, que eu não devo desenrolar, pois o que vamos falando em família, o que vamos ouvindo dos seus amigos e conhecidos e o que ele deixou escrito é que verdadeiramente fazem a sua biografia.

Pegando no exemplo do frasco da vida, acho que ele conseguiu enchê-lo com as coisas realmente importantes – a família, os amigos, o trabalho, o lazer, a intervenção cívica -, não deixando que tudo o resto, a areia, ocupasse o espaço das primeiras.

Quem olhar só para a sua idade, até poderá comentar que partiu com uma idade bonita, e eu penso que há pessoas, como o meu sogro, para as quais não há uma idade boa para se irem embora. Temos, porém, de ser racionais e aceitar as leis da natureza, nomeadamente esta que nunca ninguém teve o poder de alterar, e desejar que as coisas boas que ainda preencherem o nosso futuro ajudem a substituir a sua ausência, mas não a memória.

Por fim, o principal que me trouxe até aqui, o meu reconhecimento aos familiares, amigos, conhecidos, instituições e associações que, como eu, se orgulham de terem participado, de uma forma ou de outra, da sua história.

O teu genro

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