Ao fim de três mandatos consecutivos a liderar a Princesa do Lima, José Maria Costa fala das muitas aprendizagens e do sacrifício familiar.
Sem querer adiantar o que fará no futuro, deixa no ar a possibilidade de continuar na vida política ativa. No imediato, vai tirar as férias que ficaram por tirar nos últimos 12 anos. Com 60 anos defende que “ainda posso contribuir para a construção do nosso país”.
Natural de Moçambique, onde viveu até aos 14 anos, chegou a Viana do Castelo e nunca imaginou vir a ser autarca, contudo está grato à vida pela oportunidade. Apesar de garantir que muito ficou por fazer, o autarca socialista garante que “saio com a consciência de que fiz, com os meios que tinha”.
Antes de ser autarca a tempo inteiro, José Maria Costa foi funcionário dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. O encerramento desta empresa foi um dos momentos marcantes dos mandatos. Contudo, congratula-se por ter evitado o encerramento “deste centro de competências”.
Formado em engenharia química, José Maria Costa considera que o primeiro e o último mandato foram aos mais difíceis, por diferentes razões. O primeiro pela presença da Troika e o último pela pandemia de Covid-19.
É praticamente uma vida dedicada à atividade pública e política. Como surgiu a entrada na política. Era um sonho de criança?
A minha entrada na vida autárquica foi com cerca de 32 anos, quando decidi apoiar uma candidatura do Partido Socialista, liderada pelo Defensor Moura para a Câmara Municipal de Viana do Castelo. Entendia, na altura, que era necessária uma mudança e havia um grande descontentamento em relação à governação do Dr. Branco Morais. E resolvi apoiar essa candidatura e, mais tarde, fui convidado para integrar a vida autárquica, sendo chefe de gabinete.
Mas quando andava no Liceu, fiz parte da Associação de Estudantes eleita no pós 25 de Abril, através da Juventude Centrista e cheguei a ser presidente da Juventude Centrista em Viana do Castelo. Quando fui estudar para o Porto deixei a intervenção política. Estive também envolvido em movimentos diocesanos, nomeadamente através de um convite de D. Armindo Lopes Coelho, para participar na preparação das Semanas Sociais. E fiz também parte de alguns organismos diocesanos.
Integrou ainda o executivo da Junta da Meadela.
Quando manifestei o apoio à candidatura de Defensor Moura, fui também convidado a integrar a lista do Partido Socialista à Junta da Meadela, tendo sido eleito vogal.
Neste primeiro movimento ainda não integrava o executivo?
Não, era o primeiro suplente à Câmara Municipal e fui eleito para a Junta da Freguesia da Meadela. Depois, tive de renunciar ao cargo de vogal para assumir o lugar de chefe de gabinete.
O que aprendeu com a vida autárquica?
Só quem passa pelas autarquias é que vê a importância do poder local no pós 25 de Abril. Acho que é justo reconhecer que os autarcas tiveram um grande papel no desenvolvimento do nosso país. E falamos de muitas áreas, não só nas infraestruturas, mas também na dinamização política, visto que é através das autarquias que temos a mobilização e participação das pessoas, quer nas assembleias de freguesia, quer nas assembleias municipais. Mas a vida autárquica mostrou-me também que os autarcas, de uma forma geral, são muito generosos. Dão muito de si e principalmente em territórios de baixa densidade. Muitas vezes os autarcas nestes territórios fazem papéis que não são os seus por amor à causa.
É marido e pai. Como foi conciliar esse papel com as funções de autarca?
Essa foi a parte mais complicada, porque enquanto autarcas temos de estar sempre disponíveis. E naturalmente que o elo mais fraco é a família. O meu acompanhamento à vida familiar não foi aquele que era exigido e naturalmente que isto não era possível se não tivesse da família uma grande compreensão.
Certamente reclamavam a presença.
A nossa vida familiar não está isenta de tensões. Muitas vezes não estamos nas festas habituais, quer da família direta ou próxima. Não temos tempo para estarmos com os amigos e até para gozar as férias que são necessárias.
Conseguia ter férias em família?
O máximo tempo, nestes 27 anos, de dias seguidos de férias foram 11. As minhas férias foram sempre muito reduzidas. Houve anos em que tive quatro/cinco dias de férias, porque a minha responsabilidade e a minha atividade não deixavam ter muito mais. Foi uma vida dedicada à autarquia.
Conseguiu fazer amigos para a vida, graças à sua atividade política?
Só vamos descobrir as verdadeiras amizades quando sair do cargo. Tenho consciência que procurei construir, e construí relações de profunda amizade com pessoas ligadas à vida política, mas não foram muitos. E agora é que vamos ter a prova dos nove para perceber se essas amizades eram de circunstância ou se são amizades para a vida. Mas ao longo da minha vida autárquica fiz alguns amigos para a vida.
Como era, então, o seu dia a dia?
Tinha um dia muito preenchido, que era chegar à Câmara um pouco antes das 9 horas e ser quase sempre o último a sair. Era uma vida muito preenchida. Onde sabíamos a que horas entrávamos, mas nunca sabíamos a que horas saíamos. Estamos sempre sujeitos a qualquer problema que surja e que tem de ser resolvido. A vida de um presidente de Câmara é uma vida muito cheia. Às vezes chego a reunir com mais de 20 pessoas durante o dia. Foi uma vida muito enriquecedora. Aprendi imenso. Tive oportunidade de conhecer muitos dossiês, estar por dentro de muitas questões políticas, quer nacionais, quer europeias. Felizmente a minha vida autárquica permitiu-me estar em lugares de destaque a nível regional, nacional e europeu. De conhecer as grandes problemáticas da União Europeia. De poder participar em alguns debates com alguns comissários e isso foi muito enriquecedor. Tive, de facto, oportunidades únicas de conhecer muita gente, como o rei de Espanha, vários Presidentes da República e primeiros-ministros.
Uma das experiências mais enriquecedoras que tive foi ser presidente do Eixo Atlântico, porque me permitiu, por exemplo, estar no centro das conversações quer com o primeiro-ministro português, quer com a ministra do Fomento espanhola para tratar da modernização da linha do Minho. Assim como com os embaixadores de Portugal em Espanha e de Espanha em Portugal. Tudo isto permitiu-me ter acesso a mecanismos que eu desconhecia.
“A nossa ambição é do tamanho do mundo”
Sai com a consciência de dever cumprido?
Saio com a consciência de que fiz tudo o que era possível, com os meios que tinha. E fazendo uma avaliação, acho que esta equipa que tive o privilégio de liderar, fez um bom trabalho em prol do desenvolvimento. E isso é conhecido pelos vianenses, que têm demonstrado isso em sucessivas eleições.
De todos os projetos e obras consegue destacar algum?
Para mim todas as intervenções eram importantes, desde as mais pequenas até às maiores. Naturalmente que algumas dão mais notoriedade. Uma pequena intervenção, resolver um pequeno problema de um munícipe ou de um concelho é tudo fundamental. Portanto, não classificaria obras de mais ou menos importância. Algumas que vão ter, nos próximos anos, mais impacto económico, na competitividade do concelho. Considero que Viana do Castelo aproveitou bem os financiamentos comunitários e estivemos sempre na linha da frente para mobilizar o Governo para que os nossos projetos e os da região do Alto Minho fossem priorizados. E devo muito também aos meus colegas do Alto Minho, que me apoiaram imenso. Consegui criar melhores condições de vida e melhorar o acesso à cultura, educação, desporto. Acho que fizemos um pouco de tudo.
Ficou alguma obra por concretizar?
Ficam sempre muitas obras por concretizar. A nossa ambição é do tamanho do mundo. Nós quando concorremos e apresentamos um programa, este é diariamente acrescido de uma outra realidade que queremos ajudar a resolver. Ficaram muitas obras por concretizar, não só em obras físicas, mas também muitos projetos e iniciativas. E isso é bom, porque significa que estamos continuamente insatisfeitos e a tentar o melhor para as nossas populações. Espero, sinceramente, que o próximo executivo possa também continuar a desenvolver o concelho e a concretizar muitos dos projetos que os vianenses vão identificando.
“Fui quase até ao fim do mundo para salvar uma empresa”
Nasceu em Moçambique, veio para Viana com 14 anos. Que recordações tem de África?
Tenho boas recordações. Nasci numa família feliz, filho único, portanto não tenho razão de queixa dos meus irmãos (risos). Tive uma infância com muitos amigos e com muita atividade desportiva, praticava natação, hóquei em patins e xadrez. Tenho gratas recordações. Assim como tive uma juventude feliz, com algumas dificuldades quando chegamos a Viana, resultantes de novos hábitos e novas realidades culturais. Uma das questões que me surpreendeu foi a diferença de classes que existia em Portugal, e em África não notávamos isso.
Quando chegou à estação de comboios de Viana nunca imaginou ser presidente de câmara, como há dias confidenciou.
Eu cheguei com 13/14 anos e não me passava essa ideia pela cabeça. Nem sabia muito bem o que era um presidente da câmara (risos). Mas a vida proporcionou-me esta oportunidade e naturalmente que estou muito grato.
O que mais gosta em Viana do Castelo?
É difícil. Viana do Castelo é uma cidade e um concelho encantador. O facto de não ter nascido em nenhuma freguesia de Viana do Castelo, porventura me terá levado a estar mais distante de algumas decisões. Às vezes o coração pode-nos impelir para privilegiar este ou aquele. Procurei tratar todas as freguesias da mesma forma e com o mesmo critério de isenção. Sou uma pessoa muito urbana. Tentei que o crescimento de Viana do Castelo fosse muito harmónico entre a cidade e o resto do concelho, e acho que isso foi concedido.
Com certeza que, com a intensa vida pública, acontecerem-lhe alguns episódios curiosos. Quer recordar alguns?
Há sempre melhores e piores. Tive alguns momentos difíceis. Alguns foram conhecidos por todos. Um deles foi a dificuldade de manter-se os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Naturalmente que procurei soluções para evitar que fechassem, mobilizando todos os agentes. Como costumo dizer, aí fui quase até ao fim do mundo para salvar uma empresa. E foi isso que fiz, voltaria a fazer a mesma coisa. Acho que o meu trabalho, a esse nível, vai ser reconhecido. O facto de ser persistente, muito inconveniente aos poderes públicos nacionais levou a que se encontrasse uma solução, independentemente do tipo, foi permitido manter-se em funcionamento, que era o pretendido. Tínhamos consciência que se fechasse nunca mais teríamos Estaleiros em Viana do Castelo. Acho que foi uma vitória da persistência e da luta.
Depois há outros momentos, quando conseguimos incluir, ainda no Governo da Troika, a modernização/eletrificação da linha do Minho foi uma grande vitória. E também tive na ex-ministra do Mar um grande apoio para se encontrar os meios necessários para o desenvolvimento do porto de mar de Viana do Castelo. Foi graças a ela e ao primeiro-ministro, que se encontrou uma solução para se avançar com os acessos rodoviários e a melhoria dos marítimos. Estamos a falar de investimentos na ordem dos 30 milhões de euros. E isso foram motivos de grande alegria. A economia do mar em Viana do Castelo que está pujante vai ter, nos próximos anos, mais desenvolvimentos fruto destas apostas.
Foi também importante mobilizar o Governo para a requalificação das nossas escolas. Aí contamos com grande apoio do ministro da Educação. Nós aproveitamos bem o quadro comunitário.
Falou há pouco da persistência. Essa é uma das suas melhores qualidades?
Quando apresentamos um projeto temos de o justificar e isso foi o que fizemos. Graças à excelente equipa técnica que temos na Câmara Municipal foi possível justificar os nossos projetos como bons. Eles estavam bem fundamentados e sustentados, do ponto de vista técnico e económico e isso levou que no Plano de Recuperação e Resiliência, na chamada “Bazuca”, estejam incluídos dois grandes projetos, que foram fruto de um trabalho prévio. Estas duas intervenções (ponte sobre o rio Lima e a nova via do Vale do Neiva) eram muito relevantes para aumentarmos o emprego, a economia e as exportações. Estes projetos que agora são incluídos no PRR começaram a ser trabalhados há três anos atrás, o que significa que temos tido uma capacidade de preparação, planeamento com alguma antecipação, prevendo cenários e procurando encontrar soluções de futuro.
Eu perguntava-lhe qualidades em termos pessoais
Eu não sei (risos). As pessoas é que devem dizer.
E defeitos?
Isso tenho muitos (risos).
Quer destacar algum?
Sou um bocadinho teimoso. As pessoas é que devem dizer.
“O exercício autárquico é sempre muito complexo”
O que vai fazer quando terminar a vida autárquica mais ativa?
Nestes tempos imediatos vou descansar. E depois irei procurar novos rumos. Entendo que ainda posso contribuir para a construção do nosso país. E acho que posso dar esse contributo. Neste momento, vou descansar algum tempo. Há 27 anos que não tenho um mês de férias.
Férias é algo que já não tem há muito tempo.
Sim. Vou agora descansar um bocadinho. Mas, com certeza que pretendo continuar a colaborar com o nosso país, naquilo que são as minhas áreas de competências e ser útil.
Consegue ter algum livro de cabeceira. Ou a leitura de documentos e dossiês não lhe permite tempo para outras áreas.
Eu normalmente compro muitas publicações e leio muitas das publicações da Câmara. Mas tenho de ser honesto, e neste momento não ando a ler nada de especial, porque o tempo não é muito. Leio os jornais diariamente. Acho importante estarmos bem informados para nos apoiar nas decisões. É necessário estar muito atentos ao que se passa no mundo. Como integro o Comité das Regiões tenho acesso a muitas matérias. Considero-me uma pessoa bem informada e isso é importante para preparar o futuro e tomar as decisões certas. Tenho estado muito atento aquilo que são os sinais dos tempos.
Durante os três mandatos lidou com três executivos diferentes e três oposições. Como foi este trabalho?
O exercício autárquico é sempre muito complexo. Temos de lidar com a estrutura municipal, que também tem a sua complexidade. Depois, temos de lidar com as oposições e temos de criar mecanismos de cooperação positivas a favor do concelho. E depois temos de lidar com os governos e temos de ter estratégias adequadas. É muito importante que a Câmara Municipal tenha um bom relacionamento institucional com o Governo. Mas em cada situação temos de encontrar as melhores linhas de trabalho e estratégias de negociação, e isso aprende-se com o tempo. Não há um manual de instruções.
Disse, há dias, que o primeiro e últimos mandatos foram os mais difíceis.
O primeiro mandato fui atravessado pelo Governo da Troika e depois foi o mandato onde estava a aprender a ser presidente. A Câmara tinha uma dívida muito grande, havia muitas dificuldades económicas e foi uma altura muito crítica. Com menos receitas do Estado tivemos de fazer face a encargos financeiros muito profundos e conseguimos ultrapassá-los. E neste último mandato, a pandemia colocou-nos exigências muito grandes. Felizmente que Viana do Castelo soube responder e isso deve-se muito aos vianenses, que cooperaram e solidarizaram-se para superar. Houve um estudo nacional que considerou Viana do Castelo como um dos municípios que melhor fez a gestão da crise. Isto é um elogio aos vianenses e às instituições.
Sente que geriram bem esta crise pandémica.
Diria que fizemos aquilo que se impunha fazer, que era minimizar o impacto negativo da crise, que foi brutal.
Como recebia, ao longo dos anos, as críticas públicas.
Há críticas que nós aceitamos e há outras que por serem injustas custam mais a aceitar. Mas quem está na vida pública tem de tomar muito alcacelsa (risos) para digerir algumas coisas que não são muito corretas. Houve alguns processos que foram mais objeto de comunicação, como o processo do Edifício Jardim e recentemente dos acessos ao porto de mar, com os famosos plátanos, onde li algumas coisas que não gostei. Mas se avançamos com os projetos é porque acreditamos neles. Desde que estou à frente da autarquia nunca avançamos com um projeto para chatear alguém. Era porque essas intervenções tinham interesse público e melhoravam as condições de vida dos nossos concidadãos.
Luís Nobre será o novo presidente. Que avaliação faz?
Acho que o Luís Nobre reúne as condições para o cargo de presidente de câmara. Não só porque tem uma grande experiência de 16 anos como autarca. Também passou por vários patamares, desde a Junta de Freguesia até à Câmara Municipal. É uma pessoa que tem um conhecimento bastante profundo daquilo que são os grandes dossiês e participou em muitos projetos e iniciativas. Por exemplo, na estratégia local de habitação, que é um dos grandes desafios que temos pela frente. O Luís Nobre e a Carlota Borges lideraram esse projeto. Partilhou comigo preocupações na área de economia e desenvolvimento económico e conhece muito bem os dossiês das empresas. Foi responsável pela digitalização dos processos de obras, que foram muito visitados por muitas câmaras do país. Conhece muito bem o concelho. Tem uma boa equipa e acho que estão reunidas as condições para poder fazer um bom mandato. Espero que, acima de tudo, consiga cumprir e até ultrapassar o programa eleitoral. Este programa teve um reconhecimento concelhio. A lista de Luís Nobre teve a maioria em todas as freguesias e uniões, por isso tem uma legitimidade inquestionável para poder governar nos próximos quatro anos.