“São os vianenses que fazem a festa. Esse é o grande conceito e atrativo da romaria”

Quando se fala da Romaria da Senhora da Agonia e das figurantes mais marcantes na sua organização, o nome de Joaquim Ribeiro é incontornável. Nascido em Braga, mas desde os 15 dias de idade a viver em Viana do Castelo, viveu as festas por dentro entre 1969 e 2000. Trabalhou de perto com Amadeu Costa e colecionou um vasto espólio alusivo a mais de uma centena de anos de festas.

Como começou a sua ligação às Festas?
O meu primeiro emprego foi com António Cunha, na Avic. Comecei a trabalhar, como secretário das Festas, em 1969, numa altura em que António Cunha era presidente da Comissão de Festas. Como me conhecia de ter trabalhado com ele na Avic, convidou-me. Em 1970 já não era ele o presidente, mas o Francisco Cruz, com cuja equipa me mantive sempre que esteve na Comissão de festas. Estive nas Festas em 29 edições, até 2010 e com dois interregnos.

Ao longo deste espaço de tempo, com que ideia fica para que se afirme como elemento distintivo em relação às outras?
Associa-se o nome da romaria à participação do povo. Embora haja um programa organizado, cada vez mais é o espetáculo que se mostra. As festas que por aí decorrem têm, como númerod, espetáculos contratados de pessoas fora da terra. Não caracterizam esta, nem à romaria. Vêm dar um espetáculo para chamar as pessoas. Enquanto a nossa, por ser mesmo a romaria, traz as pessoas para participarem nas Festas. O grande êxito da Festa é esse.
Está-se a alterar um pouco o conceito. As pessoas que estão à frente são muito mais novas. Algumas não foram beber aos velhos, como nós o fizemos.
Quando comecei nisto, eram feitas por um punhado de vianenses que se juntavam e organizavam as festas. A base das Festas d’Agonia dessa altura eram já as freguesias. Nessa altura, eram os regedores que “dominavam” a freguesia. Tínhamos de ir junto deles e cativa-los para eles trazerem as suas representações à cidade. Eram os números principais das Festas.
Hoje, o maior manancial já não é tanto através das juntas. Naquele tempo havia o regedor (“homem bom escolhido pela freguesia”), a pessoa em que mais acreditavam e que, muitas vezes, servia de “juiz”.
A partir do momento em que se politizaram as freguesias (com o 25 de Abril), mudou completamente essa situação. Agora, o presidente da junta até pode não ser da freguesia. Antigamente, com o regedor, era diferente.
Nessa altura, na angariação de fundos, a Câmara não dava praticamente nada para as festas. Havia listagens – ainda as tenho no arquivo que deixei na VianaFestas – por ruas com nomes de pessoas singulares, privadas e comerciantes. A comissão ia de porta em porta pedir o donativo para as Festas d’Agonia. Na altura, vedava-se o jardim público e o custo eram cinco escudos a entrada. Não havia atrativos por aí alem, mas era onde se encontravam as pessoas mais importantes da cidade e era uma receita. Embora maior fosse a das bancadas de madeira que se montavam para a Serenata.
Já Festa do traje que era feita no campo de futebol do Vianense era a maior das receitas da Romaria. Aquilo enchia. Era no domingo, ás 14h. Um espetáculo que, na minha leitura, era um pouco o cortejo de sábado sem os carros alegóricos. Só o desfile das pessoas que tinham ido no cortejo. Era o número mais atrativo e mais espetacular, só feito por pessoas do concelho de Viana.
Era Viana e os vianenses que faziam e promoviam as festas. Até nos fogos de artificio (eram os Silvas e os Castros).

Mas quando começou a mudança?
Com mais força quando as juntas de freguesia começaram a ser muito influentes. Mas, a par destas, começou a nascer outra estrutura que substituiu um pouco o trabalho da Junta: os grupos folclóricos.
Antigamente, as pessoas do campo ainda andavam muito trajadas (embora não com aquele rigor que agora exigimos no folclore), usavam muitos daqueles fatos e vinham à feira com os lenços e as saias. O meu falecido pai, na tinturaria que tinha, tingiu montes de roupa. Tudo em preto; quando havia um luto na família, as pessoas vinham com aqueles trajes tingi-los. Lenços, saias e blusas. Depois, as pessoas começaram a deixar de usar diariamente esta situação. Foi daqui que nasceram realmente – e bem – os grupos folclóricos.
A falta de atuação direta das juntas de freguesia surge, ao mesmo tempo, que os grupos folclóricos (fins de 70/princípios de 80) são cada vez mais. As juntas deixam de ter a vivência e conhecimento. São os grupos folclóricos que mantiveram a tradição do traje. Há muitas famílias que a mantê, mas que só os vestem na Romaria d’Agonia ou nas festas da freguesia.
Os grupos folclóricos agarraram isso. Constituíram-se uma associação. Mas que havia muitas rivalidades entre os grupos e aquilo não funcionava bem. Em 1994, com a entrada de Defensor Moura para a Câmara, eu e o Amadeu Costa retomamos as Festas, com o Alberto Rego, que era e é presidente da associação de grupos folclóricos. Tentamos juntar os grupos, fizemos muitas reuniões. Foi a maneira das comissões de festas agarrarem a cultura tradicional e o traje. Senão, tudo se perdia.
Cada vez mais, os grupos folclóricos, no meu entender, são uma mais valia da Romaria d’Agonia. É onde a comissão de festas pode continuar a preservar os seus números principais – Festa do Traje, Cortejo, o desfile Vamos para a Romaria, aliados aos fogos de artifício. São eles que chamam à romaria toda a esta gente. São as pessoas do concelho que fazem a festa. Esse é o grande conceito e atrativo da romaria.

Mas onde é que se nota mais a diferença?
Na Festa do Traje. Foi aquela em que a diferenças mais se acentuaram em prejuízo da própria Festa. Quando era no campo de futebol, era aquele desfile contínuo nas freguesias, por ordem alfabética.
Depois o Vianense foi obrigado a fazer a cerca de rede (por volta dos anos 80) e passou por locais como a Segurança Social, antigo pavilhão da Portucel e Castelo do Santiago da Barra.
A Festa começou a ter menos assistência. As pessoas já conheciam os trajes, não houve mais atrativos para prender as pessoas, como a falta de apresentação em língua em língua estrangeira, nomeadamente em inglês. Há características que conhecemos, mas que aos estrangeiros passam despercebidos. Ultimamente tem sido no Centro Cultural, com entrada gratuita, e é uma ‘desgraça’ em termos de publico.

Houve também a mudança da organização para estrutura institucionalizada. Foi criado um secretariado permanente em 1995 e a Vianafestas em 2002.
Antes disso era um grupo de vianenses que se juntaram até 1983. Daí até 1990 foram municipalizadas. Por determinação Branco Morais, assim continuariam. Mas, em 1994, Defensor Moura entendeu que deviam ser os vianenses, embora a Câmara tivesse de ajudar. Convidou uma serie de pessoas que estavam afastadas, entre elas eu e o Amadeu Não era muito homogênea, havia ideias muito diferentes e em, 1995, fui um dos que disse que não continuava. O presidente da Câmara devia puder escolher alguém para presidente e ele escolher os colaboradores. O Moura também entendeu assim, pôs-me a mim já que a ideia era minha. Chamei o Francisco Cruz e, em 1996, passei-lhe novamente a pasta de presidente. Fiquei sempre como secretário.

Mas depois surge a Vianafestas!
Tivemos três anos, quase seguidos (entre 1995 e 2000) a inspeção das Finanças para ver se tínhamos pago os IVA e essas coisas. Andou alguém a dizer que tínhamos recebido, em 1994, aluguer do terrado e não pago IVA. Estava sempre tudo correto. Em 2002 surge, proposta minha, a Vianafestas e a Flora Silva como presidente e eu secretário-geral. Ela delegou-me vários poderes. A Direção compreende a Câmara (que indicava o presidente) e integrava a Associação Empresarial, o Turismo e a associação de grupos folclóricos.
Eu geria a Vianafestas e deixei lá um arquivo histórico das festas com documentos com mais de 100 anos. A AURORA DO LIMA foi o jornal onde fomos beber muito desse manancial, com os seus relatos e crónicas ao longo dos anos.

Quais as pessoas que, em sua opinião, mais marcaram a Romaria?
Amadeu Costa foi um senhor e não só na Romaria. Tive o privilégio de lidar com ele, só tenho pena de não ser tão bom aluno como este mestre merecia. Foi a pessoa que mais conviveu comigo nas Festas. Em 1994, quando estava no secretariado do Hospital Velho, quase todos os dias estava lá. Depois fomos até ao Museu do Traje. Mais tarde (já sem o Amadeu entre nós) para a Vianafestas.
Tenho duas pessoas que, em relação à Romaria, me ensinaram o que sei. O Amadeu Costa em termos técnicos de organização da romaria, os trajes, os cortejos, etnografia… e o Francisco Cruz, em termos de gerir a organização. Um homem que nunca teve litígios com ninguém e, acredite, às vezes não era fácil lidar com pessoas das freguesias e não só…

E, agora, há continuadores?
Há. Talvez possam não estar a ser bem selecionados, mas há. É a minha opinião. Mesmo entre os jovens. Mas não queria por nomes. Há gente antiga que foi afastada e merecia mais algum respeito; acho que a vereadora, que recentemente se demitiu, não soube gerir esta situação da cultura na parte etnográfica a festiva. Rodeou-se, nem sempre, das melhores pessoas. Ainda tive uma reunião com ela, ficamos logo incompatibilizados de ideias. Já não houve 2ª reunião. Pedi a demissão em 2010. Com José Maria Costa sempre tive ótimo relacionamento, ele até insistiu para continuar.

Este ano, como vai ser isso de ‘sentir a romaria’?
Há dias estive a falar com Alberto Rego, presidente da associação de grupos folclóricos. Ele lançou um apelo para que todas as pessoas que tenham traje venham nestas dias da festa. Vou vendo os espetáculos, embora no meio digital. Tenho também arquivos fotográficos.

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