Deixei Viana do Castelo, a caminho de Lisboa e outras paragens do país e do mundo, ainda bastante novo. Visitava as origens do meu nascimento, por norma, nas férias, que fazia coincidir, com certa predominância, na época da Páscoa. O Minho é sempre encantador e belo, mas na Primavera, com toda a natureza verdejante e a florir, os encantos aumentam.
Quando regressei, de vez, depois de mais de meio século de peregrinação, encontrei a cidade, em todos os aspectos, muito modificada, para melhor, sem dúvida. Vem isto a propósito poder afirmar que, tecnicamente, pertenço ao século findo, melhor dizendo, ao milénio transacto. Tudo me liga a ele.
Sou de uma época caracterizada, ainda, pelo caminhar do lirismo, na conjugação do predomínio da sensibilidade e da fantasia ao lado da razão e pelo impulso dado ao individualismo, através de um conceito imaginário da perfeição.
A minha profissão, agora reformado, como a desempenhei, é típica desse milénio. As minhas ideias, a base da minha cultura, os meus estudos, também se formaram nesse milénio. O recurso aos tribunais, a fim de salvaguardar casos de injustiça gritante, funcionando com menor morosidade do que no quadro actual acabar sempre por dirimir esses pleitos. Mas não estou ferrado ao saudosismo do passado! Não afirmo, tão pouco, que antigamente é que era tudo bom. Em qualquer etapa do calendário da nossa vida existem, na continuidade, aspectos positivos e negativos a recordar na memória dos povos que habitaram esse espaços de tempo.
O novo milénio, na casa portuguesa, está a andar, embora carregado de intrigas, corrupção, lutas pessoais pelo poder ao verificarem, certos políticos, que os seus potenciais reinados estão em acentuada decadência. Concomitantemente, acentua-se a degradação no aparelho do Estado, dos municípios e das freguesias com a falta de qualidade e conhecimentos das diversas categorias de funcionários que fazem parte dos quadros desses órgãos do poder. A reciclagem, as reuniões de aperfeiçoamento profissional e outros encontros de classe, que confrontavam situações, unificavam a área do saber na metodologia do trabalho, entre os grupos, que serviam o sistema, parece que abriram rotura. Nota-se a deficiência como somos atendidos em inúmeras repartições públicas, aliado a uma manifesta falta de sensatez e postura ao articularem a conversação com o povo pagador, criando, por vezes, conflitos. Aliado a tudo isto, as nomeações para os lugares de chefia ficaram, quase na totalidade, arredados de concursos. Gravitam na esfera da administração por quem são designados, a fim de melhor se adaptarem às suas clientelas, perdendo qualidade, independência e forte instabilidade com as mudanças operadas no seguimento dos actos eleitorais.
Atento todo o movimento que tem vindo a ser realizado, no actual milénio, através do carrossel do viver, posso afirmar que já me sinto farto dele. Reconheço, nas variadas maneiras de actuar, que me parece estar excluído deste estado atmosférico. Sou do grupo que andou num caminho independente e literal, sem querer saborear, na tentação do poder, nesses momentos de apogeu, a carne ou o peixe, bem regados por bebidas de marca nos panorâmicos restaurantes da intriga.
Nota: Esta crónica, por vontade do autor, não segue a regra do novo acordo ortográfico.