Dificilmente poderia ser melhor. Vasco Gonçalves (VG), se fosse vivo, na sua imensa modéstia, ficaria de certeza feliz. Uma sala repleta de gente e um grupo de notáveis capitães de Abril que, de forma mais ou menos ativa, participaram no Movimento das Forças Armadas. Uma sala que ouviu com redobrada atenção intervenções que abordaram o perfil do homenageado, mas também todo o processo revolucionário que pôs fim a 38 anos de Estado Novo, que de novo nada tinha e de velho tinha tanto.
Foi de VG, como não poderia deixar de ser, porque era ele o Homem Militar que se pretendia homenagear neste ano centenário da sua nascença, de quem mais se falou e que merecidamente se enalteceu. VG, como sabe e reconhece boa parte do povo português, era um cidadão impoluto, despegado de interesses materiais e apenas preocupado com o país e os portugueses. Sonhou ter uma sociedade onde imperasse a justiça social, onde o povo que tão espezinhado foi ao logo de quase quatro décadas e envolvido numa guerra sem sentido nem ética, ocupasse o justo lugar no país onde nasceu. Sonhou construir uma nação de proximidade entre todos os cidadãos, onde todos tivessem acesso à habitação digna, ao ensino, à saúde, à cultura e a outros bens que na Europa eram desde há muito realidade.
E foi isso que ouvimos de quem tão bem o conhecia e com ele, como militar mais graduado, participou no derrube de um regime deslocado no tempo, incapaz de encontrar uma saída de nobreza para uma guerra que consumia recursos que não existiam e vitimava ou estropiava vidas de inculpados em números que hoje podemos considerar assustadores. O Almirante Martins Guerreiro, o General Pedro Pezarat Correia, o Coronel Nuno Pinto Soares e o Coronel José Castro Carneiro, como homens que tiveram vida ativa na revolução e conheceram bem de perto (VG), reafirmaram a sua profunda convicção de que sem este como Primeiro Ministro não teria sido possível lançar as bases para uma sociedade nova em Portugal, com desmantelamento de todo o aparelho administrativo e militar que estava organizado para manter uma economia de sobrevivência e uma guerra imoral e ceifadora de vidas. Sem VG não teria havido uma descolonização com um grau menor de traumas e, apesar de tudo, sem consequências tão dramáticas como aquelas que tem acontecido em praticamente todas as guerras do género da que viveu o povo português
Alguns valores da guerra colonial que enfrentamos, que se teima em esconder, como a querer dar a entender que abandonamos pessoas e bens e que, no teatro de guerra tínhamos condições para sair vencedores, foram evidentes nesta sessão. Assim se ficou a saber que, percentualmente, a guerra em que participamos custou 5 vezes mais vidas (mais de 10 mil militares e mais de 45 mil, se a estes associarmos os civis) do que custou, por exemplo, aos americanos a guerra do Vietnam.
Não menos interessante nesta sessão, porque marcou presença, foram as afirmações de Manuel Correia Pinto, um Alto Minhoto que fez parte do Gabinete de VG e foi responsável pelas atas das reuniões que aí eram feitas. Segundo Correia Pinto não passava de atoarda o que se foi dizendo em relação ao sectarismo do primeiro ministro, quanto à sua opção por gente alinhada consigo para o trabalho de assessoria. Tudo mentira disse Pinto; no gabinete de VG trabalhada gente de todas as tendências políticas, tendo dado a conhecer inúmeras delas.
Esta sessão, organizada pelo Núcleo de Viana da Associação Conquistas de da Revolução foi o corolário de um vasto programa de ações comemorativas do Centenário de Vasco Gonçalves. Este Militar de Abril, por tudo o que fez e pela forte ligação a Viana, bem merece não ser esquecido. Os poderes centrais omitiram estas comemorações, numa tentativa de ostracizar a figura desta figura marcante da revolução, mas o povo não é tão esquecido tanto quanto isso.