FERNAND LÉGER (FRANÇA, 1881-1955) – “Les loisirs/hommage a Louis David” (“Os lazeres/homenagem ao pintor Louis David”), Óleo sobre Tela, Ano de 1948:
Obra completa, madura, da última fase do Pintor, que havia começado a sua carreira como furioso abstracionista na escola cubista, manifesta-se como lição de consumado mestre da composição e da cor, seja na acepção de testamento estético ou seja como veemente depoimento do homem superior que foi Léger, o amante da Paz e da Humanidade que, neste assim retratado momento histórico, finalmente pôde repousar (como a figura que segura o dístico Hommage à Louis David). E dedicar-se, a partir de então, ao saudável convívio e à fruição de uma próspera Natureza plena de graças que, como sempre desde o princípio do Mundo, despontavam alheias aos tormentos, aos desastres, à loucura do Homem. Todas as suas circunstâncias, a do autor e a do momento histórico, se contém neste quadro. Isto é Pós-Guerra, senhores.
Atente-se agora no facto de as figuras, quer sejam animadas ou inanimadas, e que estão presentes neste elegíaco fresco de pós-guerra, estão bem delimitadas, afirmativas, expansivas e poderosas no seu traço forte mais de desenho do que de pintura, nas suas cores primárias e nas suas linhas sinuosas. Apenas o solo (plano da terra) e o céu (com tudo quanto ele contém), são manchados de tons secundários. Significativamente.
No céu se representa, dominando toda a imensa cena, um bando de pombas brancas como que do alto abençoando, protegendo toda a cena, pombas brancas que muito em breve se tornarão num acarinhado símbolo da Paz, sobretudo no Ocidente (V. Picasso).
Os rostos das personagens são todos um e um só: o rosto da Humanidade, reconhecível em qualquer paragem espácio-temporal. E todos estão virados para nós, como se fossem os observadores de um qualquer tempo futuro num arranjo cuidado de fotógrafo ou de encenador. Bem sabendo que no encontro dos olhares sempre se deram, dão e darão os encontros das almas. E que a união faz a força.
Os sombreados são aplicados apenas nos limites do exigível pela cuidada composição. no tratamento dos contrastes e das volumetrias. E desde já desafio todos quantos isto lerem, a achar nesta composição um ângulo (“vértice perfurante”) que seja, em todas as suas linhas redondas e sinuosas como a água, as flores e os frutos ou as expressões humanas de maior doçura e sensualidade. Faço este desafio porque, desde há vários anos, elegi este quadro como um salutar exercício de observação. E com todo o prazer o confesso: falhei redondamente no intento e fico muito feliz por isso.
Porque todas as terríveis tecnologias de destruição e de morte até então invadindo a Vida, desapareceram por completo neste seu idílio de sonhador, neste seu recanto de cura. Acabaram-se as guerras. Não é à toa que todas as personagens deste quadro, de pés descalços sobre a terra, ostensivamente carregam “agora” (1948), os frutos e as flores e as bicicletas (apontamento “ecológico” avant-la-lettre) e os sorrisos do presente (e futuro) salutar convívio social com que se construirão, doravante, o Amor, a Paz e o Futuro.