O dia em que a arte saiu à rua

Levada a desconstruir o evento cultural ocorrido a 02 de outubro, Daniela Viana, mentora, criadora e dinamizadora do projeto MARGEM – Espaço Criativo, declarou ao “A Aurora do Lima”: “CaminhArte foi a exposição dos caminhos pelo contacto da aprendizagem artística, nomeadamente, pintura – dos jovens inscritos no Atelier de Pintura da MARGEM-Espaço Criativo, em Darque”. A explanação da artista não se ficou pelo agora enunciado. Para começar a descrever os propósitos, quiçá a génese, do acontecimento organizado, Daniela expandiu o relato: “Em conformidade com as ideologias da MARGEM-Espaço Criativo, (contacto com a natureza e o real; aproximação e ‘culturalização’ de públicos, interação com a comunidade) e em conformidade com a concetualização do nome da exposição “CaminhArte”, as obras realizadas saíram de quatro paredes e foram para a rua, ao encontro da comunidade. Realizou-se, literalmente, num caminho. No caminho da margem do rio Lima. Aí, os espetadores eram convidados a caminhar os caminhos percorridos por cada aluno do Atelier de Pintura”, completou. 

Talvez mais do que uma mostra artística, que priorizou a pintura, mas revelou pedaços musicais – com atuações de violino e piano -, “CaminhArte” celebrou os seus e os locais. Fez-se o elogio e a homenagem a Helena Garcia, Patrícia Vicente, Marta Roda e João Sousa, jovens que viram as respetivas produções dispostas e enquadradas ao longo de parte da Avenida dos Pescadores, e que debateram cada uma das telas com os presentes interessados; explicaram-nas, inclusive. Antes disso, deu-se primazia ao profundo e ao incerto, à emoção e ao anseio, já que aos artistas se concedeu o poder de sequenciar a ‘caminhada emotiva’ associada aos meses de existência na oficina de pintura ali consumada. 

Marta Roda falou numa “experiência de altos e baixos”, com direito a “frustração máxima” e a “felicidade imensa”. As vivências experimentadas fizeram-na “mergulhar nos pincéis, na tela, no objeto de representação” e “naquilo que somos, naquilo que o nosso subconsciente acaba por fazer”.  

Helena Garcia não permitiu que os seus 15 anos a impedissem de discursar e demonstrar com assinalável densidade. Para ela, o começo no Atelier de Pintura foi feito de dúvida: “Sentia-me um bocado hesitante a fazer o que quer que fosse. Sentia que tudo o que faria seria alvo de algum julgamento ou de alguma avaliação”, referiu, para logo depois assumir uma importante mudança de perspetiva: “Percebi, ao longo do tempo, que não é isso que importa. O que importa é o que estamos a sentir em cada pincelada que damos ou em cada traço que fazemos”. Para a estudante recém-chegada ao Ensino Secundário, o percurso no Atelier foi de “aprendizagem, todos os dias”. Assumindo ter “muito por caminhar, seja no atelier ou em qualquer outro sítio”, Helena voltou a frisar a distância e diferença relativamente ao passado: “Eu perdi aquela sensação de que tinha de procurar mais validação para os meus desenhos e pinturas. Senti que isso já não era necessário, ao contrário do início… No início, queria tanto o elogio, queria muito sentir-me bem com aquilo que fazia, mas percebi que não eram os outros que tinham que validar as minhas obras, era eu. Era eu que tinha que sentir aquilo que fazia. Foi aqui que eu aprendi isso, foi com a Daniela…”, acrescentou. 

Patrícia Vicente, por seu turno, recordou “situações de frustração, de dor”, assim como uma das propostas iniciais da organizadora do Atelier (Daniela Viana): “…esquecer toda a bagagem que trazíamos, do ponto de vista profissional, escolar e da própria vida. Devíamos despir-nos completamente de tudo isso e virmos ‘nus’ para o atelier”. Das palavras que se seguiram, terão constado a apologia à diversidade e o alinhamento com discurso da colega que falara momentos antes: “Há vários exemplos, vários momentos e várias atividades que fizemos em que as perspetivas são diferentes de e para cada um. Eu desenhei de uma forma, a Helena de outra, o João e a Marta de outra, ainda. Mas a verdade é que todas elas são válidas. E, no final de contas, não é sobre a validação daquilo que o outro vê, mas sim sobre a validação que nós damos àquilo que fizemos, àquilo que criámos”.   

Mais contido, João Sousa lembrou alguns dos acontecimentos que mais valorizou, ao longo do percurso, como a aula inicial, à qual chegou “com um pouco de medo”, com “nervos”, já que “havia gente nova, que não conhecia”. Finalizou o discurso, enfatizando a “viagem muito boa”, feita junto de “gente incrível”, mas antes havia libertado um pensamento: “A nossa arte tem de ser um espelho de quem nós somos, e não um espelho do que os outros querem que sejamos”. 

Concretizado o “CaminhArte”, foram deixadas, a Daniela Viana, algumas notas que pudessem ajudar a materializar o balanço final. Falou-se de reconhecimento, de interação com os públicos, do acesso à cultura e lançou-se a questão: “Deve a arte ser explicada?”. A resposta foi clara: “Acredito que, organizações ou qualquer entidade responsável por mediação artística, em primeiros contactos, devem ter a sensibilidade de ensinar os públicos. Aflorar a sensibilidade. Guiá-los na análise do olhar. Reinterpretar. Ampliar o imediatamente visual”. 

Para a artista, o Atelier de Pintura da MARGEM-Espaço Criativo “promove e divulga os seus alunos”, sendo que “a exposição permitiu tornar acessível a arte à comunidade, pois, muitas vezes, a arte (cultura), num sentido mais lato, é apresentada como inalcançável para a maioria”, referiu. Assumindo que se pretendeu “dar a conhecer o que tem vindo a ser realizado ao longo destes meses, no Atelier de Pintura, a decorrer na Casa das Artes em Darque”, a talentosa darquense admitiu, ainda, o desejo de que o evento tenha funcionado como “um convite de encorajamento a novos participantes”.  

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