“Pagaremos sempre um preço por cada medicamento”

António Lúcio Baptista não tem dúvidas de que só com a vacinação será possível controlar a pandemia de Covid-19. E, apesar dos vários receios, aconselha todos os grupos de risco a participarem no processo.

Coautor do livro “A Caminho de um Mundo melhor”, o médico afirma que “este livro será um elemento importante de estudo e análise”. Afirmando a necessidade de implementar medidas preventivas para controlar as próximas pandemias.

O investigador do IPCA, Universidade do Minho e UTAD garante que é necessário “voltar à vida”. Admitindo que o desconfinamento deverá vir acrescido de responsabilidade. É preciso “pensar estrategicamente, juntar forças e proporcionar serviços de qualidade em segurança para a população e turistas”.

Já estamos há mais de um ano em pandemia? Quais as suas previsões para os próximos tempos?
Há um ano, neste mesmo jornal, expliquei que tinha duas esperanças e uma preocupação. As esperanças estavam relacionadas com a virulência desta estirpe de vírus. Quase todos os vírus, à medida que passam por hospedeiros, perdem capacidades. Pelo contrário, este vírus parece adaptar-se e desenvolver mutações mais perigosas, como a do Brasil, do Reino Unido, da África do Sul e agora da Índia, e isto passa-se à medida que vai infetando populações. Outra esperança era que, estando Portugal na costa ocidental da Europa, pudesse de algum modo ser protegido, uma vez que só tem uma fronteira terrestre.

E a preocupação?
A preocupação séria era que Portugal tinha apenas 4,1 camas de cuidados intensivos e respetivas equipas por cada 100 mil pessoas, enquanto países como a Alemanha tinham, nessa altura, 21 camas por 100 mil habitantes. Por isso, os recursos no nosso país mais rapidamente se esgotariam e sobretudo a capacidade de tratar doentes graves. Continuo a ter esperança de que este vírus “estranho” seja debelado e aposto 100% na vacinação. Todas as epidemias que conheço, sarampo, rubéola, tuberculose, só foram controladas com vacinação.

O António e mais 15 escritores escreveram um livro durante a pandemia, designado de “Towards A Better World”(A Caminho de um Mundo melhor). Porque surge este trabalho?
Este livro, lançado em Berlim e escrito em inglês, reflete sobre a pandemia, o turismo, a emergência climática, os direitos humanos nesta fase tao crítica. São 16 autores, eu incluído, de diversos países e dirigido pelo Professor Viegas Fernandes, presidente da Associação Mundial de Turismo de Saúde e Bem-Estar (AMTSBE), analisa e reflete sobre a pandemia e capítulos como a educação com as suas injustiças no período que atravessam, a hospitalidade e humanização, o turismo e a sua vulnerabilidade devido à crise pandémica. Há uma reflexão sobre um mundo pós-pandémico. Este livro será um elemento importante de estudo e análise. Quanto ao futuro, teremos que combater o vírus com medidas preventivas e vacinação. A Organização Mundial de Saúde está esperançada que dentro de menos de dois anos poderemos ter esta infeção controlada.

E falemos agora um pouco do processo de vacinação?
Além das medidas preventivas múltiplas, aquilo a que foi chamado de estratégia para a imunização da comunidade (DORSTEN) que faz parte do John Snow Memorandum, publicado originalmente na revista científica Lancet em 2020. Como afirmei na altura, para mim tratava-se de uma “guerra biológica” e advoguei que na primeira linha devessem estar as forças armadas, que têm unidades antiguerra biológica. Têm objetivos, estratégia e logística. Os médicos e hospitais seriam, pois, a terceira linha. A proteção civil empenhar-se-ia na tarefa intermédia. Eu próprio fui médico militar e sei como se trabalha. Recebi aulas de estratégia e de logística. As missões são para cumprir. Estamos a ver a vacinação, que andava a descarrilar e entrou nos eixos de uma forma calma e bem organizada.

Mas há muitas pessoas têm receio das vacinas. O que lhes pode dizer?
Dizia-me um antigo professor de medicina em Joanesburgo que pagaremos sempre um preço por cada medicamento tomado, mesmo que seja um simples paracetamol. Quando existem estatísticas em medicina e cirurgia, elas cumprem-se. Vemos, no entanto, que o risco é muito baixo quando comparado com os malefícios e sequelas da Covid-19. Eu próprio já tomei as duas doses e sugiro que todos os grupos de risco a recebam.

E sobre o desconfinamento?
Temos que voltar à vida! Trata-se de uma crise social com um componente de saúde. Se as economias não funcionarem, as pessoas vão passar mal, o país vai sofrer mais e está já na cauda da Europa. Os jovens vão ter problemas acrescido e as perturbações da saúde mental, provocadas ou agravadas pelo confinamento, são enormes e ainda estão para ser contabilizadas. Os serviços de saúde estão bloqueados e as pessoas não têm resposta atempada. Há muitos atrasos, mesmo em doenças graves. Desconfinamento controlado é necessário. Teremos cada vez mais de passar das atitudes individualistas para um paradigma diferente, atuando multidisciplinarmente e de um modo coletivo.

E o que deverá ser feito no Norte e no Alto Minho?
O Norte de Portugal tem condições únicas para alavancar novos projetos, por exemplo, na área do turismo associado à saúde e ao bem-estar, à recuperação das pessoas no pós-pandemia, assim os responsáveis o queiram. A minha proposta é a de reagir, pensar estrategicamente, juntar forças e proporcionar serviços de qualidade em segurança para a população e turistas. Os serviços públicos de saúde, uma vez que existem, deverão ter um investimento considerável para se modernizarem. Está calculada uma verba de 2200 milhões de euros para a remodelação dos hospitais do SNS. A capacidade instalada no setor privado e social deveria ser também utilizada de modo concertado e harmonioso. O Alto Minho necessita de uma grande reforma das suas estruturas de saúde do setor público e mais investimento do setor privado moderno, eficaz e competitivo.

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