“Tive dos vereadores uma colaboração dedicada […] e, desde 1986, reunimos num jantar”

Henrique da Mata é um nome incontornável na vida pública de Viana do Castelo. Nascido há 86 anos, embora com postura discreta, destacou-se como causídico, mas também como presidente da Câmara Municipal (1983 – 1985), deputado no Parlamento (1986 – 87) e presidente de diversas coletividades, como o S. C. Vianense, o Rotary Clube e a Confraria de Santa Luzia, entre outras.

O trabalho em prol da comunidade foi reconhecido. A Câmara Municipal de Viana do Castelo atribuiu-lhe o título de Cidadão de Honra do concelho e a Ordem dos Advogados a Medalha de Honra e a Medalha de Reconhecimento (Conselho Regional do Porto). É também membro honorário e sócio de mérito de instituições como a Liga de Amigos do Hospital, a Associação de Futebol de Viana do Castelo, a Federação Portuguesa de Futebol e a Casa do Minho no Rio de Janeiro.

Após uma vida recheada em prol da comunidade, sente-se satisfeito com o que fez e o reconhecimento público?

O que posso dizer é que procurei fazer sempre o que estava ao meu alcance para cumprir as minhas obrigações. Fui presidente da Câmara durante três anos e deputado menos de ano e meio. Foi na sequência da queda do Governo de Cavaco Silva, depois de aprovada uma moção de censura, que deixei para sempre a Assembleia da República. Fui deputado durante um curto período. Mas, verdadeiramente compensador, para mim, foi ter sido presidente da Câmara. É na Câmara que se podem concretizar muitos dos nossos sonhos, realizando o que se pensa ser útil para as pessoas, para a cidade e para o concelho. Agora tem de se reconhecer que, nesse tempo, as câmaras municipais tinham parcos recursos para levar por diante os seus projetos.

Mas havia transferências da administração central?

Eram muito pouco para as necessidades. As câmaras enfrentavam sérias dificuldades para ir satisfazendo os seus compromissos correntes e realizar as obras e melhoramentos a que se tinham proposto. Havia que gerir com muita cautela e rigor. Felizmente, essa situação alterou-se para melhor e as câmaras passaram a poder ter uma visão mais ampla e segura, face aos meios financeiros e técnicos de que passaram a dispor. 

Encontrou muitos escolhos na atividade como autarca?

Tive de estabelecer um plano. E uma vereação que me apoiasse. Estava em minoria (em nove elementos, quatro eram da AD, de que fazia parte,  três do PS e um da APU). Mas se isso podia ser um escolho acabou por ser um êxito para todos. Tive dos vereadores uma colaboração muito dedicada e extremamente leal e só assim foi possível realizar a obra que deixamos. Fizemos verdadeiras amizades e todos os anos, desde 1986 – só interrompidos pela pandemia – reunimos num jantar sempre no mesmo sítio. Na Mariana, na mesma sala, onde ao 20.º ano colocamos uma placa alusiva. Este ano, excecionalmente, foi um almoço. Em todos esses encontros de amizade, contamos, desde sempre, com a presença do Eng.º Tiago Delgado, lembramos, com enorme saudade, os companheiros que partiram para a outra vida. Com profunda emoção refiro-me aos vereadores Álvaro Mourinho, Eng.º Luís Amaral, Dr. Luís Gonçalves e Nicolau Veríssimo, não podendo esquecer o também saudoso Manuel Pinheiro Felgueiras.

E o que de mais importante conseguiu fazer?

Se há coisas importantes que se fizeram durante o meu mandato – e felizmente foram muitas – necessariamente tenho de destacar, desde logo, a construção do viaduto de Santo António e, simultaneamente, o encerramento da passagem de nível no mesmo local, onde, ao longo de décadas, morreram dezenas de pessoas. Era um verdadeiro inferno. Quando soavam as sirenes, as pessoas entravam em pânico, muito especialmente quem tinha filhos no Liceu. Esta obra, para a qual não tínhamos qualquer projeto, constituiu, para todos, um verdadeiro alívio. Era uma antiga aspiração dos vianenses. Custou 90 mil contos.

Quero referir que, já em fim de mandato, adquirimos o Teatro Sá de Miranda, pertencente à Companhia Fomentadora Vianense. Havia sinais claros de que o edifício, já em fraco estado de conservação, ia ser vendido com o objetivo de aí serem construídos blocos habitacionais. Tínhamos que meter mãos à obra. Assim, consegui o contacto das pessoas que representavam aquela sociedade. Ao fim de várias reuniões, algumas em Lisboa, chegamos a um entendimento. Adquiriu-se o edifício do teatro e o valioso recheio pelo preço de 47 500 contos (perto de um milhão de euros a valores atuais), pago em prestações, entrando logo, embora com muita dificuldade, com a primeira prestação de 10 mil contos. Assim, enriqueceu-se sobremaneira o património material e cultural da cidade. O Teatro Sá de Miranda, que poderia ter desaparecido, passou a ser o Teatro Municipal Sá de Miranda.

Mas devo recordar o muito que se fez nas freguesias, nomeadamente no setor escolar. Houve um investimento de mais de 100 mil contos em escolas primárias e, quanto ao secundário, foram desbloqueados os processos de construção das escolas de Santa Marta e Anha. Quanto a obras importantes, podíamos enumerar tantas outras…

Na cidade, além do mais, levamos a efeito a recuperação da Zona Histórica no que respeita a saneamento, eletrificação e pavimentação. Esta estendeu-se a outras ruas e passeios, designadamente ao Campo do Castelo para aí se instalar, como instalamos, a feira semanal.

Também partiu de si a iniciativa de por o nome do nosso jornal a uma rua do centro da cidade?

Os jornalistas não tinham uma sede. Havia ali a Casa de João Velho, ao pé da Sé, e tanto a Câmara, como os jornalistas tinham interesse nesse local. Deliberamos então que aí fosse instalada a sede da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Alto Minho. Ajudamos à fundação, que teve como principal dinamizador o Dr. Lourenço Alves. No dia da inauguração, intervindo no mento próprio, comuniquei aos presentes, que eram muitos, que ia propor à Câmara que o nome de A Aurora do Lima passasse a figurar na toponímia da cidade e em lugar condizente com a sua história. Espontaneamente recebi aclamação emocionante. Na Câmara, logo na reunião que se seguiu, foi essa proposta apresentada, sendo aprovada por unanimidade. É uma das coisas que mais me alegra no meu mandato – a Rua A Aurora do Lima.

E o importante daquilo que não logrou obter?

Terminado o mandato de presidente da Câmara e, apesar das pressões vindas de vários quadrantes para que me recandidatasse, decidi não o fazer. Entendi que, tendo-me apresentado a sufrágio nas eleições para deputados, uma vez eleito, tinha obrigação de ir para o Parlamento. Honestamente, penso que face às condições e meios na altura existentes, não era exigível ter feito mais.

No seu mandato já se falava da nova ponte na Meadela?

Sim, e muito. Temos consciência de, a esse propósito, ter feito muito trabalho. Inclusivamente, várias reuniões com membros do Governo. Não a conseguimos concretizar no terreno, mas foi possível deixar o projeto em fase de apreciação para aprovação.

Como é que hoje vê a atividade autárquica no município de Viana do Castelo?

Em 37 anos —o longo tempo decorrido após os meus três anos de mandato autárquico — a cidade, em parte, modificou-se. Devo dizer que há coisas feitas com as quais concordo, mas, em boa verdade, de algumas tenho de discordar.

Cada responsável autárquico tem, naturalmente, a sua perspetiva de qual o rumo a seguir para o verdadeiro e desejável desenvolvimento da sua terra, mas tendo sempre em mente a preservação do quotidiano e qualidade de vida das pessoas.

Entretanto, um facto tenho como certo. É que tanto os meus sucessores, como quem me antecedeu, terão sempre agido segundo a sua convicção e de acordo com o seu entendimento acerca do melhor caminho para o concelho e seu futuro.”

Como foi a sua passagem pela Assembleia da República?

Além do mais, fiz várias intervenções na Assembleia da República, essencialmente sobre assuntos respeitantes à nossa região. O jornal  A Aurora do Lima publicou-as quase todas, senão todas. Esforcei-me o que podia.

Mas sentiu que a sua voz e a dos seus colegas deputados do Alto Minho tinham eco?

Acho que não tinham o eco merecido. Lembro-me de António Roleira Marinho, um deputado muito interventivo, mas realmente sinto que, na Assembleia da República, o eco sobre o Alto Minho nunca foi forte.

Um dos assuntos que, nas últimas décadas, deu muita polémica e discussão foi o Prédio Coutinho, onde o senhor já viveu. Que pensa deste caso?

Vivemos 14 anos na Avenida dos Combatentes e 30 anos no Prédio Coutinho, donde, em março de 2006, saímos para o prédio que construíram ali na Ribeira.  Adoro viver na Ribeira, adoro esta gente simples e tão boa, sempre com o cumprimento sorridente e acolhedor, a mostrar genuinamente o que é. Uma sorte ter vindo para aqui.

Quanto propriamente ao caso da demolição, houve quem, perante a situação, decidisse recorrer aos tribunais, o que tem de se respeitar. Mas nós saímos logo. Fomos das primeiras famílias a fazê-lo. Entendia que a solução podia ser discutível, mas realmente, temos de reconhecer, ficamos melhor sem aquilo.

Também ocupou lugares importantes em coletividades. Foi presidente do S. C. Vianense aos 30 anos de idade (de 1966 a 1969). Esteve na fundação do Gabinete de Apoio à Família (GAF), no Coral Polifónico, na Confraria Santa Luzia, entre várias entidades!

O meu percurso associativo, servindo diversas coletividades e instituições, foi o concretizar de um dos lemas da minha vida e, por isso, aprecio e valorizo, sobremaneira, o desenvolvimento do associativismo, em tantos casos, substituindo o próprio Estado nas obrigações que tem para com a sociedade. Pena é que haja situações em que esse espírito associativo degenere.

De toda a vida pública, guarda ou lembra-se de alguma história pouco comum que tenha ocorrido nessa altura?

A minha vida pública começou como presidente da Direção do S. C. Vianense. Tinha 30 anos, sendo um jovem advogado. Daí em diante, a minha intervenção cívica e associativa jamais parou. Sempre entendi que o advogado dever sair um pouco do seu escritório, aproveitar, em prol da comunidade, a sua profissão, ou seja, os conhecimentos que tem e os que forçosamente vai adquirindo ao longo da vida. É primordial. No meu percurso profissional e de intervenção cívica, passei por momentos pouco comuns, alguns deles até bem marcantes. E tanto como advogado, como no exercício de outras funções, mas por razões que não vou agora aduzir, acho que devem ficar comigo e só comigo. Todavia, sem concretizar, sempre direi que os que estão bem vivos na memória aconteceram no âmbito da advocacia. E levam à conclusão de que o advogado deve, em muitas circunstâncias, agir como verdadeiro amigo, fazendo até coisas pro bono.

Chegou a trabalhar pro bono?

Sim. Ao longo de dezenas de anos e em muitas e variadas ocasiões. O advogado, servindo-se da sua formação e experiência de vida, deve estar na comunidade muito com a preocupação de ajudar os que sofrem e mais precisam.

Já disse que continua a seguir a vida pública em Viana do Castelo. Em termos gerais, o que identifica como prioridade das prioridades?

Entendo que a prioridade das prioridades da nossa Câmara deve ser a habitação, havendo, felizmente, sinais claros de que se trata de um problema que vai ser encarado com toda a energia, de modo a que muitas e muitas famílias carenciadas tenham a possibilidade de ter morada condigna.

Aproveito também para me regozijar com o propósito, já conhecido, da construção de uma ponte para peões e ciclistas, que é um anseio já antigo dos vianenses.

A oposição tem feito o seu papel?

Acho que sim. Quando se está em minoria, é difícil fazer oposição. Na Câmara, geralmente, não tem grande força, pese embora o presidente tenha o dever de ouvir as oposições e apreciar convenientemente as suas propostas, acatando-as quando consideradas válidas e úteis para o Município.

Na ocasião em que lhe foi atribuída uma medalha de honra dos advogados, um juiz felicitou-o dizendo que era um advogado à moda antiga. O que acha que tentava dizer?

Em rigor, não posso fizer o que o saudoso juiz pretendeu verdadeiramente significar com a expressão usada. Quanto à medalha de honra da Ordem dos Advogados – atribuída pelo seu Conselho Geral – e à medalha de reconhecimento, atribuída pelo Conselho Regional do Porto, não posso deixar de dizer que foi com enorme emoção e extremamente sensibilizado que tomei conhecimento da atribuição de uma e de outra. Acho que qualquer advogado que vê o seu percurso profissional e cívico reconhecido desta maneira pelos órgãos superiores da sua Ordem tem razão para se sentir feliz.

É também Cidadão de Honra de Viana…

Não posso, nem devo ser eu a ajuizar o merecimento do galardão. A apreciação do meu percurso de vida e consequente atribuição do título de cidadão de honra coube legitimamente ao senhor presidente da Câmara e vereadores.  

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