Vanda Balinha: “Carrego muito a cultura de Viana no traço”

Vanda Balinha, 29 anos, é uma ilustradora vianense, e fez a capa da edição especial da Romaria d’Agonia. 

Numa conversa franca fala das dificuldades em ser artista numa terra onde ainda não há muitas oportunidades para os emergentes. 

Com inspiração na quadra classificada em segundo lugar no primeiro Concurso de Quadras da Romaria d’Agonia de 1987, Vanda Balinha não deixou de lado a “folia” e o “amor” para a capa desta edição. 

Como surgiu a ilustração na tua vida?

Sempre gostei de desenhar. Quando era pequena via o meu pai a desenhar, acho que este facto me ajudou a normalizar o desenho e a criatividade. Ele usava muitos materiais diferentes. O meu avô também tinha a Drogaria do Mercado e sempre o vi a ser muito criativo nos arranjos lá em casa.

A arte sempre esteve presente.

Os meus pais sempre me incentivaram, davam-me imensas canetas e lápis. Eu delirava com todos os presentes relacionados com material de pintura.

Quando tiveste de escolher uma profissão, foi fácil chegar à ilustração?

Não, não sabia. Quando escolhi artes, tive uma professora, Isabel Silva, que nos pediu trabalhos sobre áreas diferentes dentro da arte, só aí, entendi realmente o que podíamos fazer dentro da área artística. E foi um pouco influenciada pelos conselhos dessa professora. Ela achava que tinha jeito para moda e, de facto, eu quando era pequena gostava de brincar com os conjuntos bonecas, misturava as peças, cortava as roupas e na universidade acabei por ingressar no curso de Design de Moda. No curso deparei-me com a realidade da Indústria da Moda, o fast fashion, que consome imensos recursos, comecei a perceber que gostava mais de uma versão de moda sustentável, que na altura ainda não se falava muito, ao contrário de hoje em dia. 

E como chegaste à ilustração?

No último ano da licenciatura fiz Erasmus na Turquia que me deu um alento à criatividade e me fez ficar com vontade de viajar mais. Viajar e conhecer outras realidades leva-nos a refletir sobre nós e aquilo que queremos fazer. Quando cheguei fui fazer um serviço de voluntariado europeu e estive nove meses em Espanha onde me foquei muito, nas horas vagas, no desenho e em ilustrar os meus sentimentos.

E foi um voluntariado na área da arte?

Não, aí foi na área da juventude. Foi aí que iniciei na organização de eventos, que hoje também faço. Fiz voluntariado em Villa del Río, Córdoba, uma vila isolada e foi a primeira vez que fiz uma exposição a solo.

Aí já era ilustração?

Sim, porque eu tenho sempre um sentido para aquilo que quero partilhar. Eu escrevia muito e depois passava para desenho. E foi aí que defini que queria saber mais sobre ilustração, quando voltei fui estudar para o IPCA – Ilustração e Animação. 

Quais as principais influências?

Sempre segui o trabalho de vários artistas, mas quem me influenciou mais foram pessoas muito interessantes que tive a sorte de conhecer. Participei, aos 12 anos, num ateliê de artes com o professor Orlando e Carmo e aquilo, para mim, foi uma loucura. Desenhar academicamente sempre foi um desafio, eu usava muitas cores, riscava muito e poucos entendiam isso. O professor Orlando deixava-nos ser livres, usávamos materiais muito diferentes, experimentamos várias técnicas e depois o grupo era diverso na faixa etária dos participantes, que eu também adorava.

O que te inspira a criar?

Sem dúvida a natureza, o mundo, as relações humanas e a relação humana com a natureza. Outras formas de arte como a música, ou mesmo trabalhos de colegas que me inspiram muito. Ultimamente carrego muito a cultura de Viana no traço.

E isso está presente no teu trabalho?

Sim, houve uma fase onde desenhava muito com preto e com dourado, agora uso muito o azul. Desenho bastante com figuras idênticas ao ramalhete, contornos curvos que estão relacionados com o nosso traje e com a filigrana. É inerente.

Viana dá a mão aos artistas jovens?

Temos muito talento. Deixa-me triste que muito desse talento tem de sair de Viana para ser reconhecido. Sinto que Viana poderia apoiar mais os artistas, sobretudo a nível de infra-estruturas culturais e eventos para se darem a conhecer ao público. Poderiam organizar um evento anual, onde os artistas emergentes pudessem participar. As pessoas estão tão habituadas a consumir a cultura tradicional que não conhecem a contemporânea.

O que poderia ser feito?

Acho que as pessoas têm de ser cultivadas para a arte, ver mais, consumir mais eventos culturais.  Houve um período tão seco a nível de cultura com a Covid-19. Faltam eventos focados nos artistas e na mensagem que procuram passar, creio que se estes tivessem mais voz e poder de decisão que os eventos seriam mais marcantes.

Mas são os próprios artistas que organizam esses eventos?

Maioritariamente, em conjunto com associações, privados ou a Câmara. Há uns anos, organizamos o “Sargaçodarte” e funcionava muito bem. A questão é o desgaste e o retorno. Este género de eventos necessita de uma programação regular para chegar ao público. 

A maioria dos artistas sai de Viana. 

Aqui há a dificuldade em chegar a outros mercados ou ser visto. 

A principal dificuldade para um jovem artista é essa dificuldade em mostrar o trabalho?

Não só, mas sim, a visibilidade é uma dificuldade. Em Viana, os espaços que há para expor têm por norma uma agenda apertada e muitos funcionam por candidatura, o que é bom. Porém sinto falta de espaços que façam curadoria, que procurem e convidem os artistas a quem querem dar exposição.

Foste desafiada para fazer a ilustração da capa da edição especial do AAL. Já tens alguma inspiração?

A Romaria para mim é um tema fácil, porque vivo a Romaria. 

Costumas participar em algum quadro?

Eu costumo participar no Cortejo Etnográfico. A minha avó tem um fato de mordoma, antes ia na mordomia, recentemente tenho ido ao Cortejo com o fato de campo. 

A Romaria é um tema fácil?

Sim, eu sei qual é a alegria de estar na Romaria, no Cortejo, na Mordomia, na Noite dos Tapetes. Gosto de ir à ribeira, ouvir os pescadores, sentir os cheiros da comida e da pesca. Vou refletir sobre aquilo que me traz mais alegria. 

Há algo que tem de estar presente?

Para mim é a folia e o amor, porque a Romaria é a altura onde vemos muita gente que já não víamos há bastante tempo.  

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.