IN MEMORIAM — José António Amorim (II) – Dos Escuteiros aos bailes da Palladium

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Nascido em Dezembro de 1938, dia 17, primogénito de quatro irmãos, todos rapazes, o Zé António era cinco anos mais velho do que eu, pelo que, obviamente, não foi na instrução primária (quatro anos de escolaridade obrigatória) nem na catequese que nos conhecemos: aos onze anos, na minha comunhão solene, eu fui escolhido para recitar o discurso dos rapazes, quatro anos depois de, em 1951, ter sido ele o comungante designado para cantar — e, com a sua belíssima voz, encantar, comover sentidamente, os paroquianos que enchiam a Matriz, actual Sé —, em latim, a Confissão, a exigente oração penitencial Confiteor Deo omnipotenti. E, embora tivéssemos frequentado ambos a Escola Industrial e Comercial, tampouco foi aí que fizemos amizade: quando ele concluiu o Curso Geral de Comércio, em 1956, terminava eu o ciclo preparatório. Mas foi por essa altura, realmente, que nos conhecemos e chegámos a conviver com certa assiduidade: nos escuteiros, no Grupo de Escutas Beato Nuno, o N.º 65, fundado pelo abade da nossa freguesia, Santa Maria Maior, o sorumbático Monsenhor que fora tenente de Infantaria na última Guerra Mundial antes de entrar para o seminário; não sei se o Zé foi dos pioneiros, mas a verdade é que enquanto eu era lobito («Sempre alerta!») já este nosso comum “irmão” no escutismo tinha sido promovido de explorador a caminheiro, o que significa que nas progressões no monte de Santa Luzia ele era dos que iam à frente, medir o perigo, desenhando depois no terreno os típicos sinais de pista para orientação dos companheiros: sim, tantas vezes, dos que ali «comiam do mesmo pão». Era uma alegria imensa! Depois da saída do chefe Arnaldo, contudo, por uma razão ou por outra, nenhum de nós continuou integrado nessa edificante formação.

A diferença de idades entre os dois fez também com que fosse diverso o motivo que, por essa mesma altura, nos levava a frequentar a sede da Associação Católica Nun’ Álvares, na Rua da Bandeira. Eu ia lá de dia, ao fim da tarde, jogar xadrez e pingue-pongue, no salão do rés-do-chão, e ele, integrado no grupo de teatro da JOC, dignava-se comparecer ao serão para os ensaios e, por fim, as representações, nas inúmeras peças em que actuou, no palco instalado no primeiro andar.

O meu atraso relativamente a ele no ingresso no ensino técnico também me privou duma actividade extracurricular muito apreciada pelos alunos em que o Zé António, entre tantos outros, se destacaria: os “Jornais falados”. No ano em que entrei para a Escola Comercial, 1954, houve uma mudança de director e o novo não deu continuidade ao apoio que o anterior concedia à excelente forma de dinamização cultural dos jovens estudantes que eram esses espectáculos recreativos, realizados no pavilhão de ginástica nas traseiras da Igreja de São Domingos. Havia de tudo um pouco: música, canções, ilusionismo, mímica, teatro burlesco, com compères a preceito, como o Mário Sousa Pinto, que aí adquiriu o estilo de comunicador que ainda hoje o distingue, ou o Jaime Reis, com quem privei mais tarde, na Imbíqueta, nos meandros do sindicalismo bancário. Ali deu o Zé António início à sua carreira como instrumentista e vocalista amador, rivalizando no canto, principalmente, com o Elias Brull (Placensia Brull, primando o apelido paterno), filho e sobrinho de republicanos catalães estabelecidos por cá no fim da Guerra Civil de Espanha, que cantava no original temas tão cativantes como Angelitos Negros e María Dolores; dizia há tempos um antigo condiscípulo, velho comunista formado na célula dos Estaleiros Navais, que «nós só muito depois é que viemos a saber que aquelas eram canções revolucionárias» (eu, porém, só me lembro de ouvir o Elias, passados anos, em bailes no Límia-Parque, cantar a pedido da banda, com a sua pronúncia castiça, a Malagueña e La Novia, músicas “para constituir família”).

Já ninguém faz ideia de quando e onde é que o José Amorim aprendeu a tocar viola, mas o António Amorim, o mais velho dos seus irmãos, não tem a menor dúvida de que foi só depois de ele ter espatifado, com tanto treino, o bandolim de estimação que a avó lhe dera a si de presente no 14.º aniversário! Com quem ele aprendeu, inicialmente, é que não suscita qualquer dúvida: só pode ter sido com o mestre Fininho (não o Chico da Cantareira, mas o Tone barbeiro, da nossa Ribeira), que de todos os instrumentos de corda populares só não tocava sino. Seja como for, o certo é que ainda mal tinha concluído o curso comercial e, aos dezassete anos, já o Zé António surgia em cena como empreendedor, no ramo musical: com mais três entusiastas, formou um efémero conjunto a que deram o nome de Trio Santa Luzia (não há engano nenhum, tal como n’Os Três Mosqueteiros, os elementos deste trio eram quatro: o Mário Preto, o Augusto Alves, o Fernando Dores, outro vocalista, e, qual D’Artagnan, o Zé Tó); tocavam onde calhava, desde a Palladium (nos afamados bailes do “apalpa o queque”, com duas letras), ao Clube Fluvial, e, no auge, chegaram mesmo a actuar na residência do Governador Civil, por especial convite!

(continua)

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