Quando chegavam as férias do Ensino Primário, ainda tinha sete anos, logo de manhã cedo, levantava-me da cama, rapidamente, a correr, direitinho, para a igreja de S. João Novo (aquela que estava mesmo colada ao Tribunal de São João), na cidade do Porto, afim de puxar o sino chamando os católicos para a primeira missa do dia, sobretudo dirigido às pessoas idosas que nunca faltavam…
Empurrando a enorme porta da madeira construída no século XVIII, que já estava semiaberto, entrava com medo dos olhares, “terríveis”, dos Santos que estavam nas capelas laterais. Baixava a cabeça, porque me intimidavam e ia direito à Sacristia, para me vestir e ajudar, igualmente, o padre, com as vestimentas douradas, que me davam prazer pelo seu colorido.
Eu, pequeno sacristão, enfiava a capa de sede roxa, ou carmesim, segurava o aparelho dos guizos para tocar, sempre que o padre se ajoelhava ou levantava. Eu gostava muito de abraçar aquela “sineta” para que os assistentes baixassem a cabeça em devoção a Deus.
À noite, na “novena”, sentado a descansar naquelas longas cadeiras, postas em fila até ao “transepto” e olhava para “Cristo Crucificado” com muito respeito.
Um dia, quase sozinho, pus-me a chorar, olhando para ele e ele a olhar para mim. A escultura tinha cerca de três metros e eu fiz-lhe uma prece… Se “Ele” saísse da cruz e viesse ter comigo a dar-me um abraço de carinho, eu acreditava nos seus milagres…
Então eu dizia-lhe (só para mim): Ó Jesus Cristo se saíres da Cruz e vieres ter comigo, agora mesmo, eu acreditarei em ti como Rei da Humanidade!…
Tinha sete anos, vejam bem, andava ainda no primeiro ano da Escola Primária, mas já lia um jornal diário, de ponta a ponta, que o meu pai, à noite, à luz do candeeiro, me ensinava todos os dias sem falta.
Durante alguns anos, corria com todo o gosto para a Igreja do Largo S. João Novo até que, um pouco mais tarde, já no “Secundário”, cheguei a fazer parte dos “Meninos do Coro da Igreja dos Clérigos” da mesma cidade – a igreja famosa pela sua torre construída pelo arquiteto italiano Nicolau Nazoni.
“Tempos fugit” (o tempo foge) e, já no Ensino Secundário, fui encontrar uma série de amigos-estudantes, que eram totalmente indiferentes às minhas crenças religiosas.
– Olha lá ó Alcino!, (dizia-me o Guilherme de Carvalho, que foi um destacado comunista e morreu vítima da política Salazarista), tu não foste sacristão e Menino do Coro?
O Mário Mendes, o mais culto — que já estava no fim do Curso Liceal, cursou Engenharia Civil –, também era um comunista convicto, perguntava-me, meio trocista a sorrir, acrescentando: – Não me digas que acreditas naquele Deus, enorme, grande e barbudo, que o escultor e pintor Miguel Ângelo, pintou, “A Fresco”, no teto da Capela Sistina em Itália?
Sim! Diz-me se ainda acreditas naquele Deus que fez o homem à sua “imagem e semelhança” e, de uma costela do mesmo homem a que chamou de “Adão”, criou a sua companheira “Eva” a fim de gozarem dos “bens” do Paraíso!?
– Claro, disse eu: Foi isso que me ensinaram as “freiras catequistas”, que iam todos os domingos dar o “catecismo” à Igreja de S. Miguel, que ficava mesmo pegado à minha casa, na Rua de S. Bento da Vitória.
– Ui, que cheiro a igrejas e sacristias!!!
Outro amigo e colega, de Belas Artes, o Júlio Pomar, também “comunista” – (estava fadado para que a maioria dos meus melhores colegas e amigos fossem todos Marxistas ou comunistas) – perguntou-me:
– Ó Alcino, então de onde veio Deus? Como é que ele apareceu? Surgiu do nada? Já fizeste a mais pequena ideia do que é o Universo? Ou o espaço infinito, pleno de estrelas e planetas e cometas? Julgas que só há o Planeta Terra? Já pensaste sobre todo este mistério? Onde começa e termina o espaço universal? Não tem fundo? Quem te criou? – Não foram os teus pais? E a Deus? Quem foi? E a mãe de Deus?!
Quem concebeu o mar, as árvores, os peixes, os animais – os rios?!
(continua)