Virgindades e outras realidades (II)

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Sobre a virgindade, que passou pelos prismas da teologia e da biologia (na crónica anterior), resta, agora, passarmos este assunto sob o crivo da história. Como era antes e é hoje em dia. Seja quem for que tenha problemas de saúde no âmbito sexual e genital, não se dirige a um historiador ou a um padre, seja de que religião for. Os homens consultam um sexólogo ou um urologista e as mulheres dirigem-se a um ginecologista ou a um obstetra ou mesmo a um sexólogo/a. Em caso de violações ou de estupros e outros crimes do género, o tribunal vai requerer um relatório pericial a especialistas de medicina legal.  No mínimo, a uma sabedora desses assuntos (partos, normalmente), a quem, no meu tempo da juventude, se chamava “exemina” (assim mesmo, aquela foi à “exemina” …). Coitada da desgraçada jovem se o resultado fosse atestado como desvirginada. 

Naqueles tempos dos pecados mofentos, os rapazes, se queriam ir para o casamento com alguns conhecimentos práticos, socorriam-se de mulheres mais velhas e experientes. Não havia outro remédio: os pais não falavam em assuntos “pecaminosos”, os professores e educadores também não, e o único livro “decente” que percorria a juventude estudantil era o livro “A vida sexual dos solteiros e casados”, da autoria de um estrangeiro que era médico e padre, João Mohana. Um dia, e por baixo das carteiras, passeou um livro (A Filosofia na Alcova) escrito por um tal Marquês de Sade.  Era lido sofregamente. Já pelos anos setenta do século passado, após a revolução do “25 de Abril”, os escaparates das livrarias estavam tingidos de vermelho-sangue, fosse pela escaldante novidade do erotismo e da pornografia ou, também, dos abundantes títulos revolucionários. Andava tudo pelo encarnado (“encarnado” é uma palavra detestável, embora muito usada pelos lisboetas). Neste capítulo, a voracidade de saber falar “politiquez” ou discorrer sobre sexualidade era tanta e tão apressada que quem não tivesse lido o livro vermelho do Mao-Tsé-Tung ou outros sobre os feitos heroicos do Fidel Castro ou do Che Guevara era um ignorante ou mesmo um analfabeto. Da mesma maneira era classificado aquele “trouxa” que não tivesse bebido os ensinamentos do Kama Sutra.

A virgindade era um tema sagrado e um estado de santidade, embora tais apêndices (hímen, freio e glande) não fizessem falta alguma! Pelo contrário, só atrapalhavam. Desde tempos imemoriais, sobretudo com a mentalidade judaico-cristã, radicalmente machista, as mulheres ou eram propriedade do pai, enquanto solteiras, ou eram dos maridos, quando casadas. O pai fazia tudo para as conservarem puras e virgens até à celebração do contrato de junção de pessoas e bens, com um pretendente normalmente muito mais velho que a jovem donzela. Esse estado de virgindade era uma condição sem a qual não havia contrato de casamento (de propriedade, esclareça-se).

É curioso que, na aldeia serrana e alto-minhota de Castro Laboreiro, ainda no século XX, a garantia da virgindade não era firme nem segura. Quando o pretendente da jovenzinha (14 aos 16 anos) se apresentava ao pai da casadoira, este respondia com voz categórica: “Ela – a donzela – cabras guardou e sebes saltou e, se em alguma se picou, e assim a quereis, assim vo-la dou ”. Não havia garantia absoluta para o “produto” transacionado, mas a honradez do progenitor estava salvaguardada.

O pessoal da minha geração, e outras que por perto andam, sabe perfeitamente que a virgindade era tão importante como casar com um morgado ou este casar com uma morgada (filha e herdeira única, um negócio chorudo).  Uma jovem “desvirgulada” arranjava, perante a populaça maldizente da aldeia, uma vergonha escabrosa, a “vergonha das vergonhas”, e a jovem tinha por destino certo o desterro social. A família da desvirginada (ou desflorada, palavra mais fina!) sofria por tabela e era tida em muito má conta. 

Ora isto acontecia ainda na minha geração, tendo acabado, na generalidade, a cultura da virgindade, pouco tempo depois da revolução do “25 de Abril”, um estado sexual que passou a rebaldaria pegada. Mas, o que é, na verdade, a virgindade?  Limito-me a transcrever esta palavra do dicionário de Huaiss (brasileiro de origem libanesa): Virgindade é “o estado ou atributo do que é virgem (que nunca praticou relações sexuais ou o coito)”; Virgindade é “o estado daquilo que se encontra intacto”; Virgindade é o estado de quem apresenta “uma conduta imaculada (sem mancha), candura, castidade, pureza” Portanto, virgindade é um termo com um significado comum, mas também com um sentido figurado. 

Não sendo eu um teólogo, nem pretendendo sê-lo, permito-me acreditar que, com o meu pensamento final, contentarei gregos e troianos, e vou terminar com esta bem-aventurança, da minha lavra: Bem-aventuradas sejam todas as Mães, exaltadamente virgens ou não, que em tudo o mais foram realmente (incluindo as que o desejaram ser, mas não conseguiram) porque tiveram a graça divina de terem participado (ou querido participar) no ato sublime de Criação da Humanidade. Merecem o Paraíso! 

Manuel Ribeiro

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