E quem foi que nos disse que nós estávamos no controlo?

Author picture

Assim como os testes de ilusão ótica facilmente nos iludem os sentidos, também a mente nos ilude as ideias.

Ao longo de muitos anos, com o evoluir e o despertar da consciência e das próprias habilidades do Homo Sapiens, parece-me crer que fomos literalmente iludidos pela falsa sensação de estarmos no controlo do que quer que seja.

Ainda que grande parte das coisas e de eventos se desenrolem mesmo debaixo do nosso nariz, o controlo da grande parte das questões que regem a nossa vida, a nós não nos diz respeito, e não haverá maior falácia se não aquele que vive crédulo de tal suposição.

É verdade que fomos capazes de surpreender o próprio mundo ao desafiarmos as leis, a natureza, a gravidade e todo um conjunto de coisas que nos conferiu alguma dominância sobre as outras espécies, contudo, se isso por si só bastasse para nos afirmarmos como Deuses sobre a Terra, então não teríamos a necessidade de sofrer infinitamente com as surpresas da vida.

Ainda que com a ajuda das ciências na predição das futuras ocorrências, quantas vezes podemos dizer que acertamos? Algumas. Outras vezes, e se não grande parte delas, foi o total tiro nos pés.

Assim sendo, não vos parece haver aqui uma espécie de padrão que nos faz querer que, quanto mais tentamos controlar as coisas, mais elas tendem a sair fora das nossas mãos?

Uns, chamam-lhe a lei da retração, outros, intervenção divina, e ainda há quem diga ser coisas do destino, mas seja como for, e usando a nomenclatura que melhor possa parecer ao leitor, chego à conclusão que a nossa exclusiva grandiosidade teima em ser questionada.

Já alguém dizia que “a vida é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados a fazer planos”. Não que fazer planos seja um ato desafortunado ou obsessivo, mas porventura, louco.

Há uma razão desconhecida de não vivermos no futuro, pois o que será, ainda não foi, e só nos resta aquilo que é. E isso, deveria ser, suficiente.

Dizemos ter tudo sob controle – os elementos, a economia, a vida, o planeta – mas no fim, não temos nada.

Quem projetou a eclosão de uma doença tão poderosa que iria abalar o mundo inteiro? Quem, até agora, pode afirmar que a mesma está controlada? E quem, no futuro, poderá supor, que pior não acontecerá, e se sim, estarmos devidamente preparados? Quer-me parecer que ninguém.

Quando menos esperamos, somos apanhados na curva, e assim é a vida – uma dança onde, ora cedes tu, ora cedo eu. Onde a mesma nos dá o controlo e depois nos retira o tapete debaixo dos pés. Onde o inexplicável assim permanecerá, não obstante das nossas tentativas heroicas e insistentes de querermos saber mais do que temos espaço para. Somos, e sempre seremos, uma pequeníssima peça num tabuleiro de xadrez enorme, a tentar lidar com infinitas combinações naquilo que chamamos do Jogo da Vida.

Termino esta reflexão com o pensamento de William Shakespeare quando nos diz que “há mais mistérios entre o céu e a terra, Horácio, do que aqueles que a vossa vã filosofia possa supor.”

Natacha Cabral

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.