XV – Paolozzi

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Américo Carneiro

O Modernismo teve destas coisas também: as confluências em clima de insurreição e de tertúlia de gente tão diversa, revoltada, insubmissa, e que apenas se entendia pelo lado iconoclasta e pelo lado da denúncia, a denúncia de tudo quanto se havia estabelecido como “norma” em Arte e em sociedade. Assim sucedeu entre os “loucos anos” 1915-1922, primeiro em Zurique (no célebre “Cabaret Voltaire”) e, depois, um pouco por todas as grandes metrópoles europeias, com grupos literários e artísticos que se auto-designavam, de forma zombeteira e absurda, de “dadaístas”.

   Não pretendiam uma “nova” estética ou um qualquer “novo caminho” sequer, reagiam contra todas as formas de elitismo e de conformismo, praticavam o irracional e o absurdo com um prazer inusitado, pretendiam que todas as coisas (objectos) retiradas dos seus contextos e exibidas como “obras-de-arte” passassem a demonstrar que a Arte é exactamente igual à Vida. Nem mais nem menos.

Paolozzi foi sempre um desenraizado e, sobretudo, um independente em relação aos regimes, aos sistemas, às filiações. Nascido na Escócia, filho de imigrantes italianos, nunca foi inteiramente de lado algum. Na Era Mussolini, durante a sua adolescência, foi mandado pela família para um campo “de educação” em Itália. Quando começou a II Grande Guerra Mundial, foi internado compulsivamente pelo regime britânico num campo “de reeducação”…

Desde muito novo, colecionava todos os objectos que a vida lhe trazia no dia-a-dia…botões, fósforos, tampas, caixas, garrafas, fios, pedras, folhas, paus e raízes, conchas, garrafas vazias, recortes de jornais… “porque, um dia” – dizia – “viriam a ser úteis desde que associados de certa maneira, de uma forma que lhes trouxesse um novo sentido, um outro significado…”

E, em 1947, assoberbado pelo consumismo desenfreado do pós-guerra e pela histeria da publicidade que passou a dominar o quotidiano do homem ocidental, Eduardo Paolozzi deitou mão da sua colossal colecção de recortes de jornais e de revistas coloridas e criou esta colagem genial que designou, com acerto literário, “ Eu Era Um Brinquedo de Homem Rico”.

A coisificação do humano, os conceitos de que “homem feliz é aquele que consome” e “homem com poder é aquele que tem dinheiro e não sabedoria”, de que “a felicidade pode vir enlatada e pronta a consumir”, são aqui denunciados pela própria linguagem publicitária e pelos símbolos que a mesma gera, em mensagens mais ou menos subliminares. 

Em grandes parangonas, as “confissões mais íntimas, ao alcance do Povo!, e verdadeiras” (“Intimate Confessions/ POP!/True”) expõem-se em vistas largas, a brilhante “cereja” apontada às pernas entreabertas do “produto feminino” (na verdade, uma menina vestida de prostituta em aceno chocantemente pedófilo) é claramente fálica e faz-se “ecoar” na medalha “Real Gold” (“Oiro Verdadeiro”) e no plano final do “grande prémio coca-cola” encostado à fálica e característica garrafa do produto, do mesmo que vai fornecendo assombrosa “energia” ao fálico bombardeiro… já que é fundamental “mantê-lo a funcionar” (“Keep`Em Flying!”). Esta tal “energia”, esta pulsão da “nova sociedade de consumo”, do novo regime hollywoodesco que assombrará (e ensombrará) o mundo está bem expressa na mão masculina (!) que, empunhando a fálica pistola, dispara contra a menina vestida de prostituta um ridículo e orgásmico … “POP!”…

   Nunca antes nada, em Arte, havia sido tão escancarado e denunciado, posto às claras…é que, senhoras e senhores, basta olhar e VER…

N. B. O Autor não segue as regras do novo Acordo Ortográfico.

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