Não sendo uma surpresa, pelo seu debilitado estado de saúde, não deixa de ser uma notícia muito triste e queria aproveitar este momento para lembrar o que a cidade lhe deve, pelo trabalho que fez enquanto provedor da Santa Casa na recuperação da igreja da Misericórdia.
Quando assumiu o lugar, substituindo Alberto Oliveira e Silva, avançava o projeto de recuperação do antigo Hospital, ao qual Vitorino Reis se dedicou com enorme entusiasmo. Foi assim que negociou os valores da obra e conseguiu encontrar fundos para a recuperação da pedra da fachada monumental das varandas, que estava num galopante estado de deterioração, por efeito de infiltrações de humidade provocadas pelo lajeamento da praça, que impede a água de escoar livremente.
Conseguiu ainda destinar verbas para o restauro dos azulejos da igreja, que estavam em perigo de destacamento – muitos poderão ainda lembrar-se das redes que os sustentaram durante anos. Os azulejos, da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes, um dos maiores pintores de azulejos do chamado “período dos mestres”, foram retirados, tratados e recolocados com toda a segurança. Também a pintura do teto foi restaurada nos locais onde se verificavam falhas causadas por infiltrações.
Foi ainda travado um problema estrutural da igreja, a progressiva inclinação da parede exterior, que punha em risco a própria integridade do edifício. Este conjunto de trabalhos, feitos criteriosamente, permite-nos pensar que a igreja recuperou a estabilidade que tinha ao ser construída, há cerca de 300 anos, no início do século XVIII.
Finalmente, foi ainda recuperada a tela do altar-mor, com uma representação da última ceia, tendo sido possível identificar a assinatura do autor: António Oliveira Bernardes, o pai do pintor dos azulejos.
Todos estes trabalhos técnicos foram acompanhados por Vitorino Reis, que fazia várias visitas diárias, interessando-se por cada momento e por cada solução do restauro, com uma atenção e interesse que contagiaram todos os intervenientes e lhe granjearam admiração e amizade de todos os especialistas intervenientes. É impossível esquecer que já não se dava tão bem com os entraves burocráticos das autoridades que tutelam o património… aliás, foi a sua intolerância com a incompetência e a falta de visão que lhe vieram a trazer inimizades, que levaram ao seu afastamento da Misericórdia, com um enorme prejuízo para a Instituição.
Falo apenas da sua atuação na recuperação do património cultural, que acompanhei de perto, enquanto mesário, mas em muitos outros aspetos a sua capacidade organizativa e empreendedora se notou, melhorando muito a ação da Misericórdia ao serviço dos mais desfavorecidos.
Lembro um último episódio, que mostra bem a qualidade e criatividade da sua atuação: para o restauro da fachada das varandas era, naturalmente, necessário criar uma proteção com rede, o que daria um aspeto de estaleiro à praça mais bonita da nossa cidade. Conseguiu então um patrocínio de um banco para que essa rede tivesse a reprodução exata da fachada, eliminando o efeito negativo da obra, com a ilusão de que a fachada continuava visível.
É em pequenos pormenores como estes que fica explícita a excelência do trabalho de um homem que vai fazer muita falta a Viana.
João Alpuim Botelho