Felipe Fernandes: Humanista nas letras e na vida associativa

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No 110.º aniversário do nascimento e 30.º do falecimento de Felipe Fernandes, cumpre evocar o seu espírito luminoso, ao serviço da Comunidade, desde a flor da juventude até à hora da partida.

Felipe António dos Anjos Fernandes nasceu a 24 de Setembro de 1912, na freguesia de Santa Maria Maior, da cidade e concelho de Viana do Castelo. Filho de António Jacintho Fernandes, comerciante de ferragens na Rua Mateus Barbosa (antiga Rua da Piedade), e de Ignez dos Anjos Hortel, professora de ensino livre.

Tirou o Curso Comercial na antiga “Escola Comercial e Industrial de Nun’Álvares”, no Jardim D. Fernando (actual Praça General Barbosa). Frequentou mais tarde, na mesma escola, o Curso de Desenho, tendo como mestres: Ildefonso Rosa, emérito calígrafo e dactilógrafo-artístico; Carolino Ramos, caricaturista, aguarelista e pintor vianense a quem Viana do Castelo muito deve. 

Casou em 1934 com Teresa Amália Lopes Carneiro, natural da freguesia de Santa Maria Maior, Viana do Castelo (N. 18-IX-1914; F. 4-XI-2011), filha de Abílio das Dores Mendes Carneiro (comerciante de fazendas no Largo João Tomás da Costa, com seu irmão Amadeu Augusto – “Casa Carneiro & Irmão”), e de Júlia Hermínia Fernandes Lopes. Tiveram dez filhos: António Filipe, Maria Júlia, Filipe Jorge, José António, Abílio de Jesus, Custódio José, Carlos Manuel, Teresa Guiomar, Rui Alberto e Francisco José Carneiro Fernandes.

Foi comerciante no estabelecimento de ferragens de seu pai, passando a funcionário administrativo no Grémio da Lavoura, exercendo mais tarde as funções de chefe de secção no núcleo de Viana da “Agros”.

Felipe Fernandes abraçou o exercício de cidadania desde muito novo, através do Jornalismo, da Literatura e da participação activa em instituições culturais, recreativas e de solidariedade social.  

António Jacintho Fernandes era assinante da “Folha da Aurora”. Um dia, fez chegar à redacção um artigo de seu filho, com o título “Bestas de carga”. O proprietário e director do jornal, Bernardo Fernandes Pereira da Silva, gostou e publicou, incentivando “o menino e moço” a prosseguir… Assim começou, aos 12 anos, a colaboração de Felipe Fernandes no Jornal “A Aurora do Lima”!… 

 Hoje, com vetusta idade – fundado a 15 de Dezembro de 1855 – é o jornal mais antigo de Portugal Continental! Nesse longo historial, o contributo exemplar de Felipe Fernandes: 68 anos de colaboração; 43 anos ao leme da direcção, com proficiência, desde 1950 até 1992.

Com apenas 13 anos foi agregado, como vogal, na Comissão Administrativa do Templo-Monumento; da mesa directiva da Confraria de Santa Luzia, ininterruptamente, desde 1926 até 1992.

Aos 18 anos era 1.º secretário da “Associação Patriótica Nun’Álvares”, espaço que dinamizava em Viana jornadas de Teatro (juntamente com os saudosos Filipe Torres e António Meira), Ilusionismo e outras iniciativas lúdicas e culturais.

Participou em concursos literários, obtendo diversas menções honrosas (Poesia); 1.º Prémio nos Jogos Florais do Minho, promovidos pela Câmara Municipal de Braga, em Novembro de 1951; 3.º Prémio na modalidade de Conto, com “Caravela de Prata Dourada”, nos Jogos Florais do 1.º Centenário da elevação de Viana a cidade, promovido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, em Agosto de 1948.  

Colaborou com o “Notícias de Viana”, mantendo durante anos e semanalmente as secções “Cáusticos”, “Conta-Corrente” e “Reflexões”. No “Diário do Minho”, de Braga (décadas de 1940 e 1950), teve o cargo da crítica das obras literárias enviadas para apreciação, parte das quais autografadas, incluindo-se Aquilino Ribeiro, Alves Redol, Manuel Mendes, Luís Cajão, Tomaz de Figueiredo, Vitorino Nemésio. Correspondente dos jornais “Novidades”, “A Voz”, “Correio do Minho”; na década de 1980, no diário lisboeta “Correio da Manhã”. Colaborou nos primeiros tomos dos “Cadernos Vianenses”.    

Foi vereador da Câmara Municipal de Viana, da presidência do Dr. João da Rocha Páris. Presidente da Liga Operária Católica e seu delegado distrital, membro da Conferência de S. Vicente de Paulo de Santa Maria Maior (Homens) e secretário do Conselho Particular Vicentino; secretário da Associação Comercial de Viana do Castelo (1951-1954); presidente da Assembleia Geral do Coral Polifónico de Viana do Castelo; co-fundador e presidente da Assembleia Geral da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo; etc.

Todos os cargos foram exercidos graciosamente e com o único objectivo de servir a verdade e a justiça, o seu semelhante e a comunidade, contribuindo, com o seu trabalho, para o progresso de Viana do Castelo e do Alto Minho.

Felipe Fernandes faleceu a 23 de Outubro de 1992, vítima de atropelamento no regresso a casa, após mais uma jornada de trabalho. Aos 80 anos de idade, desempenhava actividades multifacetadas!…

Profissionalmente, no Núcleo de Viana da empresa de lacticínios “Agros” (antigo Grémio da Lavoura, hoje Cooperativa Agrícola).

Com generosidade e espírito de humanismo, ao serviço da Comunidade Vianense e do Alto Minho: Director do Jornal “A Aurora do Lima”, desde Novembro de 1950, assinando, nos últimos anos, à sexta-feira, a “Crónica do ZÉ” – memórias e afectos, voz dos indefesos –, ilustradas com desenhos do seu talento escondido; secretário da Confraria de Santa Luzia; presidente da Assembleia Geral do Coral Polifónico de Viana do Castelo e da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo.

Ao serão e fins de semana, no trabalho cívico do jornalismo, e artístico nas telas (“painéis”) e almofadas pintadas com ocres diluídos em óleo de linhaça, para casas de artigos regionais…

 

Carta a Felipe Fernandes

PAI, hoje fazes anos! A pena das tuas asas continua a escrever… Viagens perpétuas, sem preço, sem datas, sem nome de rua, longe da vaidade material. A pena das tuas asas são plumas que dão voz aos indefesos – a Luz, a Água, o Gás, o Pão -, polidas e escorreitas, de quem lê nas entrelinhas ditadura e nas margens liberdade de expressão.

Pai:

O sol e as aves dão vida e sossego à minha mágoa e à buganvília do teu enlevo! As rosinhas reabriram no mês de Maio. Os botões de camélia e os jarros também floriram frasquinho de perfume que eu usei do teu carinho! Só a televisão a cores que não tiveste dá notícias a preto e branco…

Hoje fazes anos, Pai!… Os talheres permanecem no teu lugar. A figueira já secou, é certo; e os pessegueiros, que a vizinha dava sem querer à petizada, são muros de betão. Mas o limoeiro continua a receber uma andorinha!…

O Dia de Aniversário fazia a gente feliz!… 

A vida crescia à volta da mesa e ao redor de cada idade…

Agora, escorre como fio de azeite, num aparador de saudade!

Crescem os retratos.

No sótão, rio de amor sofrido jamais se apaga… 

Lembras-te? Aquele painel que tu pintavas de madrugada, porque o emprego não chegava para educar e encaminhar na vida um rol de filhos!… Por isso, colorias de magia, no tecido alinhado, o moinho, a capela, o espigueiro, a malhada; arvoredo verde loureiro e verde Paris esperança, aromas de tília em amarelo Itália; a casa rural, a ponte, o palheiro; o templo de Santa Luzia ou o Santuário da Senhora d’Agonia…Azul ultramarino a luzir na água e vermelhão no rosto do dançarino.

Alvura, Pai, em óleos de linhaça e litopone, com um pingo de secante para estancar as lágrimas…!

Na cave, só há lembranças… 

A casa há-de passar de mão, como tudo nesta passagem. Talvez o Respigador de objectos mais singelos recrie o espírito das memórias e dos afectos…. Quem sabe? Possa reavivar mensagens, desenhos em sonhos do teu talento escondido!

…O Presépio e a nostalgia do Piano intemporal!… A boneca de trapos e de tantas viagens… A bicicleta alugada à juventude… O fumo das velas de tanto par enamorado escrito no tecto… A caminha que fizeste para a netinha predilecta… O triciclo para aprender a viajar no tempo!…

Hoje fazes anos!…

Enquanto houver Sol, ternura das aves em prados floridos, Pai, os talheres estão vivos!!!

Viana, 23 de Outubro de 2022

Francisco J. Carneiro Fernandes

Francisco Carneiro Fernandes

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