Antero Terroso insistia em manter-se no espaço circundante da Capela das Almas, já que entendia haver ainda muito para falar sobre o foral que D. Afonso III atribuiu à Vila de Viana, em 1258. Constatámos que havia nele algo da estirpe do pai. A simpatia e a elegância de trato, por vezes era entremeada com alguma teimosia na defesa do que julgava ser mais ou menos interessante. Tínhamos previsto, de acordo com o roteiro combinado quando nos visitou pela primeira vez, não demorarmos demasiado tempo em cada lugar. Não quisemos, no entanto, ser mais teimosos que ele, e o melhor que conseguimos foi estendermo-nos pela praça Frei Gonçalo Velho, tendo a Capela das Almas debaixo de olho. Não seria conveniente nem simpático da nossa parte forçá-lo a sair do espaço que, apercebemo-nos, tinha estudado bem para não passar por diletante na matéria.
“Sim, está bem mantermo-nos aqui por perto”, disse-nos, até porque não tenho muita vontade de passear. Concordámos. Temos que nos ajustar às circunstâncias, pensámos.
– Olhem, como irão tapar esta cratera aqui criada com a demolição desta torre a que chamavam Prédio do Coutinho. Dissemos-lhe que também gostaríamos de saber, mas como tudo indicava que ele, tal como tinha afirmado, por aqui ficaria para sempre, não deixaria de ver a solução encontrada, porque se tratava de um espaço nobre e seria de toda a conveniência que fosse rapidamente urbanizado. Antero foi lesto a dizer que também assim pensava.
Olhava a rua do Gontim, que parte da Gonçalo Velho, até à entrada da ponte Eiffel. Perguntámos-lhe se queria deslocar-se até lá para falarmos sobre aquela majestosa obra e o seu autor, mas logo nos disse que ficaria para outra altura. Começamos a ficar impacientes, já que parecia estarmos perante um diálogo de surdos. Mas não…
– Sabem, no seguimento da Casa do Elias, onde o Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos ENV teve a sua sede até há pouco tempo, mais à frente, nesta casa, hoje abandonada, mas que tão bela deve ter sido, com três pisos, cinco portas no rés do chão, cinco no 1º piso, três no 2º e duas lindas estatuetas, uma em cada esquina da parte superior, na década de 1930, estava instalado o comércio de Francisco Costa de Oliveira Basto. – Ah, conte, conte, que desconhecíamos. Antero Terroso, a querer respeitar a memória de seu pai Joaquim, lustrando os galões do conhecimento recolhido em leitura de véspera, debita que se tratava de um comércio de envergadura.
– Fiquem a saber que aqui havia uma Saboaria – um depósito de sabão, petróleo, azeite e outros géneros. “O sabão globular do Bolhão”, que, na época, era o melhor e o que mais produção dava na lavagem e melhor conservava a roupa”. Adiantando, dizia, Antero: “O azeite é o artigo que mais concorre para se gozar de boa saúde. Por isso Oliveira Basto tinha o cuidado de apresentar o melhor e mais especial que havia, vindo do Douro. E, depois, recomendava que ninguém se deixasse iludir pelo barato, porque o que é barato caro se torna”. Sorrimos e ele continuou. Também falava da especialidade dos seus chás e cafés. E não esquecia os produtos condimentantes: pimentão doce e picante, pimenta, canela, cominhos e cravo, tudo espécies puras. Assim não admira que Oliveira e Basto recomenda-se o seu estabelecimento, onde era garantida a boa qualidade e modicidade de preços. Também não deixava de alardear os bons descontos que fazia para outros estabelecimentos e cooperativas. Era um espanto este Oliveira e Costa, rematou Antero.
– Muito bem, caríssimo, com discurso tão bem debitado, sem gaguejos, onde decorou o texto? Antero corou… No entanto, não perdeu de todo a compostura. – Ora, para vosso conhecimento, li na edição especial do Notícias de Viana de 18 de agosto de 1930, alusivo às Festa d’Agonia desse mesmo ano. Batemos-lhe nas costas e ele ganhou alento para novas perorações. – Sabem, ali, lado nascente desta praça, também soube que existia o restaurante Freitas, famoso pelas suas tripas à moda do Porto.
– é verdade, amigo Antero, mas disso poderemos, de passagem, falar no nosso próximo périplo. Agora vamos tomar café. O convite é nosso. – Com todo o prazer. – O prazer está em nós, caro Antero.