Cheguei de Lisboa

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Cheguei nos finais dos anos 60, para vir dar aulas na Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo. Numa altura em que não havia autoestradas, nem NET, e apenas dois canais sorumbáticos de TV, tinha a consciência que ia entrar num mundo novo, praticamente desconhecido para mim. De facto, nunca passara o rio Mondego e, para mim, o Minho era qualquer coisa muito próxima de Espanha, isto é, um sítio longínquo onde Cristo perdeu as sandálias. 

Tempos depois, já aqui, percebi que a questão geográfica era a menor das minhas surpresas. Estranhava, por exemplo, que um toque de buzina era um cumprimento para um conhecido que seguia no passeio ou estava alapado numa esplanada. Ou que amigos se encontrassem e ficassem parados, a conversar longamente. Em Lisboa, donde vinha, ninguém conhecia ninguém. 

Ou que na ourivesaria Carvalho (na rua da Picota), o dono me entregasse um relógio já reparado e que eu pagasse noutra altura – já que só tinha comigo uma nota de um conto e ele não tinha troco.

Deliciei-me com o sotaque, as exclamações cantadas, e, em muitos vianenses menos escolarizados, a troca “Vs” pelos “Bs”. E também, por exemplo, aquele “eu foi” em vez de “eu fui.” A minha vizinha -a querida dona Maria do Carmo, já falecida – era nisto um alho e eu adorava ouvi-la: dizia “lhibros” em vez de livros, “facurdade” em vez de “faculdade”,  “maurga “em vez de malga e “eu foi” em vez de “eu fui” ou “eu teve” em vez de “eu tive”.

E a semântica muito própria. Borracha tinha o nome de “safa”. Um “marcador” uma borrona. Mais: um socairinho, um picheleiro, ajeitar, aloquete, carcela, estrugido, cabaneiro, molhelho. E muitos mais.

Era também uma população pródiga em largar, pela boca fora, um certo tipo de asneiras em que a maior era a exclamação “f_da-se!”. 

E nas mulheres também, apesar do salazarismo obscuro, havia uma alegria e um gargalhar desinibido que em Lisboa era difícil de ver. 

Cinquenta e dois anos depois de termos aqui aterrado (eu e minha mulher) por cá continuamos, cá tivemos filhos e netos.

Há qualquer coisa de magnético, irresistível nesta cidade tornada única pelo seu triângulo amoroso: serra, rio e mar.

Orlando Barros

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