Trata-se de um poema escrito num opúsculo, nos anos cinquenta do século passado, e de autoria do saudoso José Rosa de Araújo, com desenhos da Santa e da respetiva Capela, de autoria do também saudoso Araújo Soares, à época pintor da Fábrica de Loiça de Viana (Meadela). A dita capela situa-se no alto da subida de S. Vicente na Meadela. Virando-se à direita nos primeiros semáforos, chega-se a um pequeno largo, avistando-se logo a pequena Igreja. Dentro, no Arco Cruzeiro está escrito 1620, logo século XVII. O lugar na opinião do excelente investigador A. de Almeida Fernandes é bem mais antigo. À parte este pormenor, desconhecíamos de todo a veia poética de Rosa Araújo, também ilustre Arquivista da Santa Casa de Viana, mas, o seu filho, José Luís, informou-nos que não a praticava mais por manifesta falta de tempo. A sua prosa é explícita e assim bem prosaica.
Este poema foi recitado no então edifício do Cinema Palácio de Viana por João Pinheiro Maia, nosso contemporâneo no Liceu Nacional de Viana do Castelo, sendo um rapaz muito brincalhão, que marcou uma época pela sua irreverência própria da idade, gozão como poucos, mas com um coração próprio de uma joia de pessoa, sendo, por isso, com redobrado prazer que o poema é republicado. A recitação aconteceu por ocasião da Magna Assembleia para Abertura do Ano Mariano e Cruzada para Um Mundo Melhor, sendo que o produto da venda deste opúsculo reverteu, integralmente, a favor da Casa dos Rapazes desta cidade de Viana do Castelo.
I
Nossa Senhora da Ajuda,
De capelinha alpendrada
Toda de branco caiada
Cercada de milheirais,
Lembrai-vos dos sem ventura,
Daqueles que, sem morada,
Tendo o céu por cobertura
Dormem à noite nos cais.
II
Nossa Senhora da Ajuda,
De linda coroa de prata
Lavrada com devoção
Pelas gentes de outras eras,
Tende dó da multidão,
Daqueles que, como feras,
Levando no corpo e na alma
Bem duras coroas de espinhos,
Encharcam de pranto e sangue
O pedregal dos caminhos!
III
Nossa Senhora da Ajuda,
De rico manto bordado
A fios de ouro e de prata
Em gorgorão matizado,
Intercedei pela Chusma
De todos os deserdados.
De quantos esfarrapados.
Tiritam, roxos de frio,
Ao sabor dos vendavais,
Sem uma telha de amparo
E as leves roupas no fio
IV
Nossa Senhor da Ajuda,
Tira os olhos do Menino
Que sustentas ao Teu regaço.
Deixa-o tirar as bagadas,
Uma a uma, sem cansaço
Do cacho bem pequenino.
Deixa-O brincar com as pombas,
Com as estrelas, co’a lua
Que a teus pés tens sossegadas.
Olha os GAROTOS DA RUA
Nascidos na desventura,
Para quem só a tristura
Parece ser o destino!
V
Nossa Senhora da Ajuda,
Tão linda no Teu altar,
Cheia de luzes e flores,
Cercada só de louvores,
De graças fora do mundo,
Baixa a nós o Teu olhar,
A nós que estamos no fundo,
Perdidos, como no mar.
Dá-nos um pão, uma graça,
A nós, que vemos o dia
Com negra melancolia
E olhos de noite escura,
A nós p’ra quem a desgraça
É o grande rumo a trilhar!
VI
Nossa Senhora da Ajuda,
De riso doce, perene,
Que enche de luz a ermida,
Faz que desponte uma aurora,
Um clarão no porvir,
Um lucilar fugidio,
Nesta via dolorida
Só pelo pranto sulcada
E toda, toda salgada.
Senhora sem mais tardança
(A vida é tão minguada…)
Dai-nos um pouco de esperança!
VII
Livrai-nos do desespero,
Do pavor da noite escura
Que nos enche de amargura,
Do fel amargo que solta
A nossa boca à revolta.
Livrai-nos da fome aguda
(Ai, a gente é tanta e tanta
De rasto pelos caminhos…)
Dai-nos um lar, uma manta,
Qualquer coisa como os ninhos,
Tecida de mil carinhos,
Onde haja paz e doçura,
Saúde, palavras mansas,
A vida fácil e pura,
Onde não morram crianças!
VIII
A Ti, Senhora da Ajuda,
Nosso arrimo derradeiro,
Confiamos, sem demora,
O peso deste madeiro
Feito de prantos e ais
Que todos nós carregamos
Só pelo crime profundo
Do amor de nossos pais
Nos atirar a este mundo!
IX
Nossa Senhora da Ajuda,
Senhora nossa do Bem,
Dizei connosco: AMEN!
Notas
Esta Litania foi recitada pelo estudante João Pinheiro Maia na Magna Assembleia para abertura do Ano Mariano e cruzada para um mundo melhor, a 09 de dezembro de 1953, no Cinema Palácio de Viana do Castelo.
Os desenhos são do pintor ceramista vianês Araújo Soares.
O produto da venda deste poema reverteu integralmente a favor da Casa dos Rapazes de Viana do Castelo.