A arte mais antiga – o poder de bem comunicar

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Natacha Cabral

Caro leitor, esta semana gostaria que refletisse comigo sobre algo que, aparentemente simples, tem um poder gigantesco quando não bem aplicado – o poder da comunicação.

Quando falamos sobre o excesso de violência que nos rodeia um pouco por todo mundo, grande parte das pessoas associa esta ideia a uma falta de saúde mental, deixando de lado fatores extremamente impactantes como os valores culturais e sociais, os quais o indivíduo vai absorvendo ao longo de toda a sua vida. Sim, parece-me óbvio que, quando alguém não beneficia de boa saúde mental, tudo fica de certo modo comprometido, incluindo a capacidade de bem comunicar e ouvir. Mas vamos analisar a coisa por outra perspetiva. E se eu lhe dissesse que todos temos parte da culpa por usarmos uma linguagem agressiva para lidarmos uns com os outros, e que toda esta ideia de uma sociedade violenta sofre de forças maiores que divergem e convergem de todos os lados? Vamos lá descortinar esta ideia.

Quando discutimos sobre estes temas mais sensíveis, há uma premissa na qual eu gosto sempre de relembrar: “hurt people will hurt people (pessoas magoadas vão magoar pessoas)”. Assim, facilmente se compreenderá que, quando alguém comunica connosco de um ponto de vista de dor, a dor acabará por passar até nós, direta ou indiretamente, como se de um espelho se tratasse. 

Experimente parar por uns segundos e reflita na última vez que alguém falou consigo de uma forma ríspida ou violenta. Agora, tente imaginar as razões pelas quais ela se dirigiu a si desse modo. Seguramente que, se a conhecer pessoalmente, poderá ser mais fácil entender algumas das possíveis causas como stress, alguma fase mais dura que possa estar a vivenciar, algum trauma infantil, inseguranças e outras tantas que poderia aqui enumerar. Uma vez consciente disso, tente agora lembrar-se de como reagiu nessa situação: levantou a voz? replicou ao mesmo nível? Disse coisas que não deveria ter dito e agora se arrependeu? Ficou calado? Ignorou por completo? A razão pela qual eu gostava que o leitor identificasse a sua reação é pelo simples facto de termos, com urgência, de trazer a nossa responsabilidade ao de cima quando enfrentamos situações como estas, que é o mesmo que dizer que, a nossa reação a um episódio destes, poderá muito bem ditar a nossa parte de “violência” na sociedade.

Agora vamos parar para analisar aquilo que certos autores definem de comunicação não violenta, e de que modo esta prática nos poderá auxiliar a reverter estas situações. O grande objetivo ou segredo por detrás desta comunicação é, acima de tudo, desenvolver a nossa capacidade de gerar empatia e conexão com o outro, do mesmo modo que entrar em contacto com os nossos sentimentos e necessidades, o que, por arrasto, ajuda a criar uma vida mais rica e com mais significado.

Vamos então esclarecer, em primeiro, o que não é comunicação não violenta: quando estamos constantemente a observar o outro e a usar comentários opinativos como ponto de partida; quando fazemos uso de julgamentos entre o que é certo e o que é errado, o que é normal e anormal, etc; quando reagimos no imediato, ao invés de ouvir atentamente; quando negamos a nossa parte de responsabilidade na conversa e ações diárias; quando usamos os nossos sentimentos como forma de espelho no outro, ao fazermos aquilo que se chama de blame-shifting; quando usamos o castigo ou a agressividade como forma de marcarmos o nosso ponto de vista sobre algo; quando manipulamos a conversa de modo a obtermos aquilo que desejamos do outro; e finalmente, quando não somos honestos naquilo que pretendemos dizer ou naquilo que estamos realmente, a sentir.

Agora que o leitor tem uma ideia geral de como não comunicar com alguém, facilmente se entenderá que a comunicação não violenta é, na sua base mais primordial, saber ouvir, mas não somente com os ouvidos, mas através dos sentimentos e de todos os outros sentidos.

Se voltarmos um pouco atrás, ao início do nosso texto, referi que os valores socioculturais desempenham um papel crucial no desenvolvimento pessoal, já que há pessoas que são mais afetas a ceder às pressões do quotidiano, às exigências espaço-culturais e às demandas dos pares e família, o que naturalmente, quando posto tudo na panela, faz com que muita boa gente expluda e perca as regras de conduta, se desconete de si mesmo e do mundo ao seu redor, e que vá acumulando atitudes e decisões menos favoráveis ao bem-estar individual e coletivo.

Tudo isto para lhe dizer que, comunicar e ouvir de forma saudável requer, primeiro, que sejamos capazes de nos tratar com amor e respeito e que sejamos verdadeiros com os nossos sentimentos e necessidades diárias, pois só assim se poderá ver o outro. Só assim, conseguiremos almejar conexões mais profundas, e não apenas conexões fúteis e superficiais como aquelas que se vivem, com grande ênfase, na sociedade em geral. Só assim, conseguiremos fazer com que as pessoas levantem as cabeças dos ecrãs e olhem frente, destemidamente e compassivamente. Em suma, esta arte de comunicar não violentamente, é uma arte conectada ao amor interior e ao amor incondicional, algo que tem de partir, primeiramente, de dentro de nós que, no fundo, é o ponto de partida para tudo.

Deixo aqui um pensar final no qual acredito ser um sumário daquilo que abordei na temática de hoje:

“Por trás de alguém que se parece a um monstro, está alguém com sentimentos e necessidades reprimidas. Por detrás dessa máscara assustadora, poderá estar alguém desesperado por receber e dar amor. E quando essa máscara finalmente cai, a visão é igual à minha.”

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