Ainda sonolenta, a neblina da manhã arrasta-se pela cidade, e as ruas começam a dar sinais de vida no movimento, nos sons e nas cores. Frente à Capela das Almas, os mendigos aconchegam o assento e o encosto na pedra fria do degrau ou da ombreira, à procura de algum alívio para a dura posição de um dia inteiro. Abrem-se as portas das lojas afixando o horário, saem cá para fora os cartazes dos cafés e restaurantes, falando mais inglês do que português, as cadeiras e as mesas tomam forma e lugar, ouvem-se os primeiros sons de acordéon saídos das mãos do velho cego, tão histórico como as pedras da rua, e mais longe uns acordes de violino e a voz de um ou outro dos habituais músicos e cantores que por ali procuram uma ajuda para o seu sustento.
Se não fosse a pandemia, seria um vaivém de gente, descendo, subindo, parando aqui e ali, espreitando as montras e enchendo as esplanadas desde muito cedo. Hoje, os transeuntes são escassos, mantendo a recomendada distância, passeando as máscaras e demorando os olhos no preço dos saldos. Um ou outro lá se senta a tomar um café, quando muito um café e um pastel. Não há sacos, ou se há vão vazios. Turistas de casa ou de trazer por casa. Negócio parado. No ar, o fantasma do Covid sempre à solta e sempre à espreita.
Neste cenário a que todos já nos habituámos, vai subindo a rua, arrastando penosamente os passos, um homem velho, alto, magro, tombado para o lado direito sobre uma muleta, cobrindo a magreza com um descaído sobretudo castanho e a cabeça com um chapéu tão velho como ele. Leva os pés metidos nuns sapatos largos em forma de pantufa que, provavelmente, lhe darão mais equilíbrio e estabilidade. Na outra mão, um saco de plástico transparente, tendo dentro um pedaço de terra onde se enraíza uma tenra árvore, esguia, em forma de estaca, que ladeia o seu corpo para cima da sua altura. Se fosse um saco de pão, ou de mercearia, vá que não vá. Um sacrifício destes por uma árvore! É bem verdade que a esperança nunca morre. A esperança de plantar uma árvore, de a ver crescer num pequeno recanto do seu quintal, e, quem sabe, talvez a esperança de ainda vir a provar o seu primeiro fruto.
Enquanto há vida, há esperança. Quem dera que floresça já na próxima Primavera.
Eva Cruz