Por volta do ano de 1700 o ouro do Brasil passava a representar em Portugal uma nova esperança de trabalho e enriquecimento, e muitas pessoas começaram a deixar o país. O fluxo emigratório dos que deixavam Portugal era tão grande que, em 1720, o então Rei D. João V criou uma lei para o controlar. Com o dinheiro do ouro do Brasil, entre outros feitos, Portugal construiu o Convento de Mafra e fez uma visita de grande ostentação ao Papa. Mas o Zé continuava analfabeto, mal remunerado e não conhecia a cor do dinheiro.
Mais tarde, por volta de 1880 Fontes Pereira de Melo encetou um ambicioso programa de obras públicas com a construção de pontes, estradas e também das linhas do caminho-de-ferro em Portugal, financiado com recurso a empréstimos externos, nomeadamente junto de bancos ingleses. Quando os ingleses nos vieram cobrar a fatura, por volta de 1898, Portugal entrou em banca rota e o último cheque para pagamento dessa dívida foi assinado pelo então primeiro ministro António Guterres, em 2001, ou seja, 103 anos depois. Quem pagou a fatura foi o Zé e os seus descendentes (quatro gerações), onde se incluem o autor e muitos dos leitores deste artigo.
Mais tarde, desde a adesão à Comunidade Europeia em 1986 até 2015, Portugal recebeu recursos financeiros dos Fundos Estruturais da UE, na ordem dos 115 mil milhões de euros, graças aos quais, é certo, fizemos muitas melhorias, mas também abatemos os barcos de pesca, cortamos a vinha, fechamos muitas empresas e a corrupção, como uma ave de rapina, de bico forte e garras robustas, abasteceu-se bem. As multinacionais deslocaram a produção, primeiro, para Portugal em busca de mão-de-obra barata. Mas depois que China aderiu à OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2001, a produção de bens deslocalizou-se para a China, onde as empresas multinacionais obtinham lucros astronómicos. Graças a essa deslocalização, o desemprego dos familiares do Zé subiu exponencialmente. No entanto, com os fundos europeus, em vez de, através da mente de obra produzirmos bens transacionáveis para enriquecer a economia, construímos a segunda melhor rede de autoestradas do planeta (à nossa frente apenas os Emiratos Árabes Unidos), para alguns andarem com os carros desenvolvidos nos países do G7, já que o Zé continua a andar pelas mesmas e congestionadas estradas nacionais, visto não ganhar o suficiente para pagar as caríssimas portagens e como tal, como alguém tem de trabalhar, nem sequer teve tempo para ver a cor do dinheiro.
Chegamos a 2011 e nova crise se abateu sobre Portugal. A dívida portuguesa cavalgou pelas ruas da injustiça ao som dos tambores dos banqueiros. E, enquanto estes engordavam, o dinheiro evaporava-se no prazeroso clima das Ilhas Caimão, ao mesmo tempo que o Zé ficava sem a casa e sem o emprego e nem de longe podia vislumbrar a cor do dinheiro.
Em 2015 o Zé começou a respirar melhor e sonhou então, com a ajuda duma geringonça, principiar a ver a cor do dinheiro, que sempre lhe fugia. Vieram muitos turistas que aproveitaram a diferença de ordenados da Europa para Portugal. Como os turistas ganhavam bem nos seus países de origem, e o Zé ganhava mal em Portugal, lá foram deixando uma migalhas, enquanto o Zé sonhava em ver a cor do dinheiro, que a cada instante lhe fugia.
Chegámos a 2020 e eis que a Covid 19 levanta o tapete! Começamos, então, a ver o lixo que muitos tinham lá deixado. Uma grande parte dos portugueses ficou em casa, mas o Zé, em muitas circunstâncias tinha de ir trabalhar. A ganância escondeu-se com medo de ser descoberta.
De repente as elites da UE, empanturradas com tantos lucros deram-se conta que estava tudo a ser fabricado na China, até uma simples zaragatoa era importada aos milhões vinda de lá, enquanto o Zé continuava sem trabalho. O Tio Sam com tanto lucro vindo da China, abastardou-se.
Há quem diga que é insuportável aumentar o salário mínimo ao Zé numas dezenas de euros mensais. Mas é normal dar muitos milhões a bancos, aos clubes de futebol e à transportadora aérea. Se o Zé fosse fazer um teste à pobreza, com certeza daria positivo. Mas isso fica para a era pós-covid, pois agora há outros testes, mais urgentes a fazer. O tempo foi passando e a “generosa” UE abriu os cordões à bolsa. Está para chegar a Portugal uma bazuca. Entretanto, o Presidente da República vetou a lei dos contratos públicos e alerta para a necessidade de “transparência administrativa”. Sente-se um frenesim no ar. Está aberta a caça aos novos milhões, mas o Zé nem dinheiro tem para comprar a espingarda para poder caçar alguma coisa. Será que, desta vez, finalmente alguém lhe vai mostrar a cor do dinheiro? Ele nunca a viu, pois sempre que o Zé chegava perto, o dinheiro fugia e nos últimos dias do mês nem é bom falar. Dizem que sim que é desta vez. Mas depois de tantas promessas, o Zé já é como o S. Tomé «ver para crer».
Gilberto Santos