Ao ouvir – que já não ouço – notícias e comentadores, discursos empolgados, entrevistas e debates, encrencadas conversas sobre democracia, liberdade, renovação e futuro, tenho uma sensação idêntica à do canceroso que, ao fim de cinquenta anos, descobre o aparecimento de metástases. Ou sinto a impressão causada pela violação de um cemitério e a exumação de cadáveres, trazendo para a luz o que às trevas pertence.
Sinto, nos tempos que correm, com imensa tristeza, que a dignidade e a nobreza do carácter se perdem nas falsas notas de uma desconjuntada sinfonia de velho mundo.
A comunicação social (CS) não cheira bem, talvez porque tenha os canais pouco limpos, ou porque as digestões são difíceis e os sais de frutos insuficientes. Não lhe basta a tarefa de procurar a desinformação, de promover pessoas sem qualquer formação condigna, sem estrutura política respeitável e sem mérito humano que lhes permita sentarem-se frente aos olhos de um país. Ainda precisa da exclusão de todos os que ali mereciam sentar-se e de dar uma mãozinha ao obscurantismo, à formatação e deformação das mentalidades.
Não lhe chega tentar, de forma impossível, conciliar a inteligência com a indigência mental. Não lhe basta promover debates, comentários e entrevistas com a eufemística intenção de avaliar fenómenos complexos, de vincado carácter social, cultural e político, metendo no saco da mediocridade toda a espécie de pessoas, interesses individuais, conjunturas políticas e muitos seropositivos do vírus fascista. Com a democracia doente, aqui e em todo o mundo, injetar-lhe gratuitamente micróbios a ver como reage não é profilaxia, mas eutanásia.
A CS não cheira bem, mas ao fim de cinquenta anos ainda não conseguiu abafar o perfume dos cravos.
Adão Cruz