Em Portugal existe, desde há alguns anos, uma democracia municipal castrada por vontade dos partidos do, como alguém os designou, “arco da governação”.
E a “castração” operou-se por força daqueles autarcas que querem poder, se possível absoluto, sem que ninguém perturbe a sua ação, muito menos que os fiscalizem com eficácia. A máxima desses autarcas, pouco amigos da democracia, é “deixem-nos trabalhar”.
As assembleias municipais têm teoricamente muitos poderes, mas, na prática esses poderes diluem-se nas restrições que ao longo do tempo foram sendo feitas pelo legislador pós 25 de Abril com o fito de deixarem os presidentes de câmara trabalhar sem fiscalização eficiente.
Alguns exemplos:
A assembleia municipal é o órgão do município que aprecia e vota os planos e orçamentos sob proposta da câmara municipal – al. a) nº 1 art. 25 da lei nº75/2013.
Também é assim a nível de governo da República.
Aparentemente a assembleia municipal tem um grande poder pois nos planos estão consagradas as obras de impacto no município a executar nos anos seguintes e nos orçamentos estão previstas as despesas e receitas a executar no ano a que diz respeito cada orçamento.
Existe, porém, uma restrição que provoca uma rutura enorme na aprovação democrática de tais instrumentos legais.
Os deputados municipais não podem propor alterações a tais documentos. Só podem aprovar ou rejeitar em bloco.
Na Assembleia da República os planos e orçamentos podem ser alterados, desde que haja maioria para tais alterações.
Os deputados municipais podem discutir, apreciar, insurgir-se contra medidas de grande impacto no município, mas o presidente da Câmara é que decide o que é bom ou mau para o bem-estar e felicidade material dos cidadãos do município, mesmo que tenha sido eleito por uma minoria de votos dos eleitores recenseados.
Por exemplo: o Município de Viana do Castelo tem 85.864 eleitores recenseados e o atual Presidente da Câmara foi eleito com 20.970 votos, ou seja, menos de 1/4 dos eleitores inscritos!
Voltando às restrições nas assembleias municipais, a aquisição, alienação (vender/doar) e oneração de bens imóveis de valor superior a 1.000 vezes o salário mínimo – al. i) do citado artigo, só podem ser rejeitas ou aprovadas, sem modificações.
E também só pode haver rejeição ou aprovação da “criação ou reorganização dos serviços municiais e a estrutura orgânica dos serviços municipalizados” – al. m) do citado artigo.
E isto foi sempre assim, após o 25 de Abril? Não, não foi. As alterações deram-se a partir da revogação do decreto-lei 100/84, de 29/3.
Por outro lado, é fundamental que os membros das assembleias municipais possam agendar no período da ordem do dia assuntos da competência da assembleia e que visem a apreciação de deliberações da câmara e cuja fiscalização esteja a cargo da assembleia municipal.
Esse poder decorre do nº 1 do 53 da lei nº 75/2013.
Porém, em violação desta disposição legal, muitos regimentos de assembleias municipais, coartam este direito com disposições que exigem maiorias qualificadas para que um membro possa agendar um ponto na ordem do dia ou mesmo atribuindo tal direito aos agrupamentos políticos.
Um 1/3 dos membros da assembleia municipal também podem, face ao disposto no artigo 28 nº 1, alínea b) do lei nº 75/2013, convocar uma assembleia extraordinária, mas não é fácil obter o acordo de 1/3 dos membros da assembleia municipal para marcar uma sessão extraordinária.
E se pelos regimentos aqueles que só são democratas da boca para fora criam todos estes obstáculos legais/regimentais, também o legislador se esqueceu de introduzir nas competências das assembleias municipais as moções de censura aos executivos, ou seja, às câmaras municipais.
Esse direito decorre do disposto no artigo 239, nº 3 da Constituição da República.
Estava consagrado na alínea 1) do nº 1 do art. 53 da lei 169/99,
mas, não na atual lei.
Há quem entenda que, mesmo não estando prevista tal competência da assembleia municipal, ela decorre diretamente do artigo constitucional citado.
Hoje, na lei 75/2013, expressamente só estão previstas moções de censura à comissão executiva e ao secretariado executivo intermunicipal – al. b) nº 5 do artigo 25.
Mas quantos eleitores saberão o que são as comunidades intermunicipais?
Como afirmamos no título os partidos do “arco da governação” castraram as assembleias municipais e, hoje, a democracia municipal deixa muito a desejar.
Como proximamente haverá uma revisão constitucional, pode ser que algum deputado exerça o seu direito de apresentar um projeto de revisão que altere profundamente a composição e os poderes das assembleias municipais a fim de reavivar a dinâmica política e democrática que existia no pós-25 de Abril nestes órgãos autárquico.
Os democratas deste país agradecerão.
Sebastião Seixas