A estratégia do silêncio

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manuel ribeiro

Um amigo perguntava-me, há dias, por que a Igreja Católica não sai a terreiro, por que se fecha na sua redoma, por que prefere o confinamento mentalmente doentio, por que se resguarda entre sólidos muros. Que medos a assaltam? Respondi-lhe que, na verdade, não sabia da razão ou razões de tão pesado silêncio. As suas manifestações públicas até são teatrais, os seus atos litúrgicos são vistosos e as suas palavras dogmáticas são proferidas no alto dos púlpitos. As suas procissões espraiam-se ufanamente nas ruas das cidades ou nos caminhos tortuosos das aldeias. As suas peregrinações são comoventes e as vozes dos cantores e das cantoras são melodiosas, em cânticos tocantemente sublimes. De resto, é um silêncio sepulcral. Mas, por que não falam? Mas, por que não dialogam? Mas, por que não debatem? Mas, por que se afastam do descontraído  convívio popular?

Até que eu próprio saí da conversa e fui para casa, cabisbaixo, tentando encontrar razões de tão estranho mutismo. É que a visita pastoral às periferias – de que muitas vezes fala o Papa Francisco – já é, sem dúvida, um ato pastoral desconfortável e até corajoso. Mas estamos a falar de contactos simples, terra a terra, começando pelo próprio rebanho, na própria paróquia. E, depois, na televisão, na rádio. Não há debate, não há diálogo. Apenas monólogos, mais ou menos solenes. Em Abril de 2021, no “14º Encontro Nacional de Referentes da Pastoral da Cultura”, organizado pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (Católica), a escritora Lídia Jorge tocou na ferida: “Pede-se à Igreja que os seus sacerdotes sejam cultos, e tenham acesso a obras literárias, e instrução do ponto de vista de gosto pela música, pelo teatro e pelas várias expressões da cultura e tenham capacidade de dialogar com as pessoas”. Isto é pedir muito? Acho que é pedir muito. E é pedir muito, na realidade, porque os seus sacerdotes estão assoberbados com imensas tarefas burocrático-canónicas e, sobretudo, reduzem o seu “público-alvo” a uma dúzia de pessoas, que não são, de todo, representativas da diversidade dos seus paroquianos. Ainda vivem no mundinho de há 60 ou 70 anos atrás, sem terem em conta que o alfabetismo aumentou muito e o ensino superior talvez ainda mais. E, para além de tudo, estamos numa sociedade com outros valores (independentemente do juízo que se faça deles) e as pessoas têm, ao seu dispor, meios, quase infinitos, de obter, facilmente, toda a espécie de conhecimentos e experiências.

Mas o mais espantoso é que as altas cabeças cardinalícias e episcopais estejam amarradas ao passado, sem que façam publicamente um gesto de libertação e de juízo crítico perante a mudança do mundo e, ao contrário, da pasmosa inércia da Igreja.

O outro grande problema é que o clero se fecha no seu grupo ocupacional e não tem outros grupos de pertença nem outros contactos. Ora isso não acontece na sociedade civil, onde as pessoas, além do seu meio profissional, normalmente fazem parte de famílias, cujos contactos se multiplicam e se fala de inúmeras questões: filhos, maternidade, paternidade, educação, doenças, economia doméstica, sexualidades, amizades, estudos, etc, estreitando laços que alargam horizontes. E tudo isto sem filtros e, cada vez mais, sem tabus. Volto a repetir que a paternidade e a maternidade constituem a suprema realização do ser humano (homem ou mulher). De sorte que (volto a repetir mais isto) a obrigatoriedade de se ser celibatário (solteiro) como condição para se ser consagrado ao sacerdócio é um absurdo antinatural e, de acordo com as Constituições modernas, em todo o mundo, um atentado aos mais elementares direitos humanos. A Constituição Portuguesa, em vigor desde !976, diz, muito claramente, o seguinte: “1. Todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”.

E quanto à prática da pastoral sempre foi como agora? Sim, essa prática tem muitos séculos, mas nos primeiros, mais próximos da vida de Cristo e da sua verdade doutrinal, foi muito diferente. Queiram ver, com muita atenção e deleite, o magistral livro “Atos dos Apóstolos”, que é um fantástico manual de como se fazia, e deveria continuar a fazer a evangelização: visitas, contactos, diálogo, debate e pacífico convencimento. (até à próxima crónica).

 

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