A longa estada do Poeta Guerra Junqueiro em terras de Viana

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Américo Carneiro

Como bacharel foi nomeado Secretário Geral do Governo Civil de Angra do Heroísmo, cidade quinhentista da Ilha Açoriana da Terceira que, em 1983, foi classificada de Património Mundial da Unesco. Não lhe agradando o clima local, a 19 de junho de 1879, pediu transferência para o mesmo cargo em Viana, terra de promessas a diferentes artistas, tal o encanto patrimonial, paisagístico ou mesmo gastronómico, terra cantada em prosa e verso por tantos outros artistas e transmitida por si próprio com tanto sentimento de enlevo, êxtase ou deleite, termos que mais parecem musicais!… É este o cenário da nossa Viana e de todo o Alto Minho.

Encantou-se, na verdade, com a beleza, tradições, colorido e o sossego da região. Antes de chegar a Viana no comboio em que viajava, perguntaram-lhe para onde ia e ele simplesmente respondeu que ia para Viana, a terra das moças bonitas! Realmente, ao chegar ao seu destino avistou uma jovem menina toda sorridente com o que ouviu, e não a perdendo de vista, descobriu onde morava e, após pouco tempo, oferecia-lhe o livro de líricas, recentemente publicado. A 10 de Janeiro de 1880 casava com a vianense de seu nome Filomena da Silva Neves, a quem mais tarde chamava de Santa.

A 25 de Dezembro de 1882, nascia a sua filha Maria Isabel, que pretendeu um dia ser sepultada em Viana e sempre dera mostras de um amor filial admirável. Guerra Junqueiro sempre dedicava poemas ternos a sua mulher. Um pouco mais tarde nascia outra filha do Poeta, a Júlia. Por 1884, Junqueiro foi visitado em sua casa por Ramalho Ortigão, que presenciou as duas pequeninas deambulando alegremente pela casa. O Poeta ausentara-se de sua casa por breves instantes. Ramalho, enquanto esperava, resolveu brincar, pular, correr com as duas miudinhas e, quando cansado, sentou-se e viu, casualmente, em cima de um móvel uma caixa da qual, aberta a tampa, salta um boneco que se move e gesticula por meio de cordéis, ou um fantoche, e tentou explicar às meninas, que a princípio estavam medrosas, o funcionamento, abrindo e fechando a caixa várias vezes e que ao fechar se sumia. Nisto chega o Junqueiro e vendo o Ramalho diz: lá me estragou o meu fetiche com que eu mantinha as filhas em respeito.

Mas mudando de assunto. Os Vencidos da Vida, nos finais do séc. XIX, era uma coletividade constituída por 11 confrades, sem partidarismos, que reunia em grandes jantaradas, em amena cavaqueira e convívio, comiam doces de ovos, bebendo espumoso, fumando charutos. Ao clube, pertenceram as mais notáveis figuras da época, a que pertencia Guerra Junqueiro e que residia em Viana, sendo o último sobrevivente daquele grupo. Passa-se isto em 1899. Eça de Queiroz tinha visitado Lisboa e fora decidido homenagear o Poeta com um banquete. Ausente em Viana, a presença de Junqueiro foi reclamada por via telegráfica, a que este respondeu afirmativamente.

Em Viana deixou bons indícios da sua capacidade intelectual. 

O Rei D. Luís faleceu a 19 de outubro de 1889 e Guerra Junqueiro escreveu um artigo no Jornal do Comércio a respeito deste acontecimento, sem qualquer publicidade. O original em prosa pertenceu à Coletânea de autógrafos de Henrique de Campos Ferreira Lima. Nos passeios pelos subúrbios da cidade a conversa derivou para as líricas como a “A Moleirinha” à mesa do antigo “Café da Maria da Luz” e que é a única poesia musicada de Junqueiro, numa espécie de refeitório da terra, onde ele orientou gerações de raparigas que queriam progredir intelectualmente e que divulgavam as suas produções nas páginas do Aurora do Lima e do Pero Galego. Na sua casa de Viana fez leituras de trechos inéditos de algumas obras que o consagraram às letras. Prefaciou produções literárias como um livro de Júlio Brandão, e em Viana editou a 23ª edição da poesia rica em doçura e simplicidade “A Lagrima”. 

Trocou e manteve correspondência com Eça de Queiroz, Ramalho, Conde de Arnoso, José Luciano de Castro, Cândido de Figueiredo e outros mais. Saliente-se uma carta a Ramalho Ortigão: “não imagina que felicidade, que hipnotismo, há quinze ou vinte dias escorre sobre este paraíso do Minho, do céu azul e dourado, azul sem mácula. Este diabo deste Minho desgraça-me. É bom de mais. A vida deslisa suavemente, cristalinamente como um regato bucólico, o sol ri, a verdura canta, o vinho é alegre e o celeiro cheio, é bom de mais. Você conhece o livro da Natureza. O Padre Eterno era um homem de talento e a sua obra tem páginas como este distrito de Viana, páginas idiotas como o Terreiro do Paço, páginas em branco como Freixo de Espada à Cinta. Nasci num meio cálido e rude, agreste, despovoado e afoguei-me neste lago de deleite e egoísta. Pedi ao destino casa com berço, verdura com pássaros e terra com água e tudo isto me foi concedido, restando agradecer-lhe”.

Outra carta para Ramalho: venha numa quinta feira e encontramo-nos em Barcelos, que é o dia da grande feira minhota. O Minho de Viana, em dia de mercado com Sol é dia feliz. Num dia nublado o Minho é um cadáver.

Referência:

Cadernos Vianenses – Tomo III – pag. 15 a 22, Felgueiras Guilherme 

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