À mesa da esplanada do Café Girassol

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“Sabem, meus amigos, há um velho ditado que diz que ‘quem não tem cão caça com gato’. Não se trata de caçar, mas neste nosso passeio o problema é mesmo o de conseguir andar. A saúde está a trair-me. As pernas fraquejam e eu sinto cada vez mais vontade de estar sentado”. O desabafo partiu de Joaquim Terroso, quando passeávamos de novo pela marginal do Lima.

Não tínhamos dúvidas de que não era por falta de vontade em caminhar e espraiar a vista pelo rio com a sua corrente serena, efeito de maré-cheia, os movimentos de pequenos barcos em passeio, o porto de mar com as cargas e descargas dos navios, e o Cabedelo com o seu discreto casario. Terroso parava para ganhar forças. A esposa, Belmira Santos, Senhora de forte simpatia e diálogo franco, vindo diretamente da capital para lhe fazer companhia, amparava-o discretamente, ofuscando dependências. 

  Quando partiu para Viana vi bem que a minha companhia lhe fazia falta. Tratei de organizar tudo e vim no dia seguinte. Também gostava do vos conhecer, porque o Joaquim fala muito de voz, manifestando-vos uma sentida amizade. Cultivou sempre a afeição com todos, e com todos sempre foi irrepreensível no trato, mas a sua Viana e os vianenses estão-lhe fundo no coração. Belmira Santos, em passo lento, sempre atenta a esforços para além de posses físicas, encaminhou o marido para o Café Girassol. 

A esplanada estava repleta. Naquele sábado de temperatura amena e convidativa à tertúlia, conseguir uma mesa vazia era só para gente de sorte. Enquanto para lá nos dirigíamos, apercebemo-nos que alguém se preparava para vagar mesa. Adiantamo-nos e fizemos a conveniente reserva. Sentados, Joaquim Terroso, arquejante, olhava para o frontispício do Girassol. Ganhando forças, fitando-nos de frente, fala-nos da beleza deste estabelecimento, já existente quando ele partiu para Lisboa com os pais. Dissemos-lhe que o café foi inaugurado em 16 de agosto de 1930, com memória descritiva assinada por Jaime Martins, e desenho de Francisco Passos, segundo foi dado a conhecer nas comemorações dos 90 anos da sua existência, organizadas no ano passado, agosto/setembro, pelo núcleo vianense do Ephemera.

 – Ah, o Ephemera do Pacheco Pereira? Esse Homem está a fazer um trabalho notável, na recolha de tudo o que são memórias deste país e do nosso povo. Falamos-lhe da rapaziada que compõe o núcleo local, entusiasta e dotada de espírito de iniciativa.  – felicite-os por mim. É de gente assim que Viana precisa. – E então, nas comemorações, o que se disse deste bonito estabelecimento?

Terroso já não parecia o mesmo. Sentado ao lado da sua Belmira, servido de um chá retemperador, ávido de conhecimento, já falava pelos cotovelos.  Falámos-lhe que o Café Girassol é hoje um dos mais emblemáticos estabelecimentos do ramo na nossa cidade, não só porque já lhe falta pouco para atingir um século de vida, mas pela sua beleza de estilo e pela história que comporta, fundamentalmente pela frequência de gente regularmente culta, que fez deste espaço lugar de tertúlia e de debate vivo. Mas o Girassol foi igualmente ponto de encontro daqueles que gostavam e gostam da música. – Sabe, amigo Joaquim, aqui, sem prática de regularidade, também muito se acarinhou a música e a poesia. 

– Olhem, estou a lembrar-me de uma revista que uma vez adquiri num alfarrabista, que continha um longo espaço dedicado a Viana. Como junto todas as coisas que falam da nossa terra, também essa adquiri. Julgo que era precisamente de 1930. – Tratava-se da revista ABC, Senhor Joaquim? – Sim, sim. – Bom, trata-se do exemplar nº527 da ABC, uma revista portuguesa, dirigida por Rocha Martins, que logo na capa diz que esta edição tinha sido visada pela Comissão de Censura.

Joaquim Terroso, algo encrespado, aproveitou para comentar a perversa censura Salazarista, mas Belmira Santos disse-lhe que deixasse a política para outra ocasião, porque Salazar estava morto e bem enterrado, sem deixar saudades. – Agora interessa-nos mais conviver e falar da tua Viana e das suas belezas.

Dissemos-lhe que tínhamos a revista ABC e que até a trouxemos para mostrar-lhe. Da saca do jornal “Expresso” a retiramos, para que a consultasse, porque lá estava um bom anúncio do Café Girassol. – Sim, bem me lembro, só que não sei onde guardei a minha. Então, registem o que que aqui diz sobre o Girassol. Eu leio: 

O Girassol

Sabem os leitores o que é o Girassol? O Girassol é um dos lugares mais aprazíveis para se passar o tempo, é um delicioso pavilhão, propriedade dos Senhores Amério & Barros, onde se encontram as melhores qualidades de bebidas nacionais e estrangeiras, um ótimo café, um chá excelente, enfim um “bar” com todos os modernos requisitos para se tornar digno de elogio. Situado no Jardim Público, possui uma “terrasse” que, nestas noites calmosas, é um dos recintos preferidos por todos aqueles que procuram passar cómoda e agradavelmente umas horas de ócio. Apesar de recentemente inaugurado, já hoje, quer pela sua clientela, quer pelo primor do seu serviço, ocupa um lugar de destaque que muito justamente conquistou.

– Bonito, bonito, meus estimados Amigos. Grande Girassol. Que bem me sinto… Joaquim Terroso, com Belmira Santos a olhá-lo, com o afeto que décadas de casamento consolidaram, já se sentia um homem novo. 

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