Consequência das “visões paroquianas da cultura” que agravam a desvalorização do setor cultural, tal como as classificou o atual Diretor-Geral das Artes, Américo Rodrigues (Quatro Ensaios à Boca de Cena: para uma política teatral e da programação / Fernando Mora Ramos… [et al.] ; pref. José Gil. – Lisboa: Cotovia, 2009), é muito comum dizer-se que as festas de uma determinada terra são feitas inteiramente pelas associações e gente local e que isso só acontece ali, naquela terra. Tal não é verdade, desde logo porque é impossível (quer em termos de grupos culturais, artísticos e religiosos; como em comerciantes ambulantes ou sazonais; e em diversões temáticas). Como exemplos, a Festa dos Tabuleiros, em Tomar; ou a Feira de São Mateus, em Viseu; ou, ainda, a Festa da Flor, no Funchal, são todas feitas pelo conjunto das pessoas e associações daquelas terras, assim como pelo conjunto de entidades e pessoas que, não sendo da terra, para lá convergem. Assim como, lá fora, o Carnaval do Rio de Janeiro, feito pelas suas escolas de samba mas, também, necessariamente, por milhares de pessoas e entidades forasteiras. Quanto ao “só acontece aqui!” próprio de cada romeiro/a do Mundo, (como se a sua terra fosse, vá-se lá saber porquê, especialmente ungida em relação a todas as outras), que dizer então dos milhares de traços comuns existentes entre todos os carnavais e romarias que se celebram no planeta? Ou, e para colocar um outro exemplo, este de Viana do Castelo: quantas procissões ao mar, com andores, se fazem todos os anos em Portugal? E no Mundo? Não obstante ser fácil pensar que só existe uma, a resposta é bastante plural. Por isso, afirmações de exclusividade etnográfica e cultural, na sua esmagadora maioria, resumem-se a declarações de intenção sem rigor científico predominantemente destinadas a servir, de forma mais, menos ou nada evidente, os fins de quem as profere, sejam eles chieira, dinheiro ou votos. O problema é que bordões como estes continuam a pontuar no campeonato das festas e romarias em que todas as aldeias, vilas e cidades concorrem. E grave é que os mesmos sejam veiculados, de forma tudo menos desinteressada, por quem tem fins particulares e, até, responsabilidades públicas. Daí que a importância do desenvolvimento de uma verdadeira democracia cultural continue a crescer, pois só uma cidadania culturalmente mais participativa poderá contribuir para um conjunto de cidadãs e cidadãos menos vulneráveis ao populismo e à demagogia.
(*) Diretor Artístico do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana