A nova sinodalidade eclesiástica (1)

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O Papa Francisco convocou um Sínodo Geral dos Bispos Católicos, para outubro de 2023. Este Sínodo é muito especial e inovador pelos seus objetivos e pelo modo da sua preparação. Sob a designação “Para uma Igreja Sinodal”, o Sínodo pretende que tudo na Igreja funcione em sinodalidade, isto é, de que tudo na Igreja funcione com a participação ativa de todos os seus membros. Desde os séculos III /IV, os “sínodos” têm sido restritos aos bispos, como assembleias eclesiásticas, para assegurar a unidade dos crentes, quanto às doutrinas, ou quanto às normas de comportamentos.

A palavra “sínodo” é uma palavra grega (sun+hodos) que significa “caminhar com”, “caminhar juntos”. Os cristãos originários diziam-se seguidores do “Caminho” (cf.”Atos dos Apóstolos, cap.9, vers.2). As comunidades originárias funcionavam como comunidades sinodais (igrejas, ou assembleias participativas) numa aprendizagem mútua e fraterna de como “viver cristão”, com os testemunhos simples e claros e nada especulativos dos apóstolos. Não conheciam outra estrutura senão a sinodal, fraterna e não hegemónica. Não tinham sacerdotes, nem uma hierarquia clerical. Não conheciam o que o Papa designa de “clericalismo”.

O Papa Francisco pretende que todo o Povo de Deus participe ativamente na resolução dos problemas da Igreja, ouvindo, também, os que se afastam da Igreja, cristãos e não-cristãos e até ateus, que queiram manifestar-se, «com coragem e parrécia», «em estilo comunicativo livre e autêntico» (Documento Preparatório,nº 30).

É uma iniciativa revolucionária, mas conforme ao cristianismo originário. E não é casual.  A 20 de agosto de 2018, Francisco escreveu uma célebre Carta ao Povo de Deus, extraordinária, diferente do estilo formal dos documentos vaticanos. É uma carta dramaticamente sentida, em que o Papa Francisco se diz «com vergonha e arrependimento» pelos gravíssimos problemas e escândalos internos e externos da Igreja, tão graves que achava impossível resolvê-los sem recorrer ao POVO, ao Povo de Deus. São palavras suas: «É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus…Toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o Povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas. espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim sem vida. Isto se manifesta claramente num modo anómalo de entender a autoridade na Igreja…como é o clericalismo, aquela atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende a diminuir e a subestimar a graça batismal…».

Nenhum anti-clerical seria capaz de caraterizar tão objetivamente o fenómeno do clericalismo. Antes, nenhum eclesiástico seria capaz de falar de clericalismo, apesar da sua evidência histórica e factual, desde o séculos III-IV. Consciente dos descaminhos eclesiásticos, apelando à participação de todos, «com coragem e parrésia», o Papa pretende «imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições» (Documento Preparatório, nº 9, «encontrar, na provação, as razões para voltar a fundar o caminho da vida cristã eclesial» (Documento Preparatório, nº7).

Para tal objetivo, a primeira indicação solicitada é a de «fazer memória do modo como o Espírito orientou o caminho da Igreja ao longo da história» (Documento Preparatório, nº2). O que tem de levar, forçosamente, à reflexão séria sobre as comunidades originárias e seus descaminhos posteriores, que será tema de outro artigo.

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