A paz que se procura

José Veiga Torres
José Veiga Torres

O maior problema que a Humanidade enfrenta hoje é o da Paz. Todos queremos paz. Todos desejamos que a guerra da Ucrânia termine quanto antes. Sem esquecer outras guerras de que pouco se fala, na Síria, no Iémen, na Palestina, na Etiópia, na Somália, no Mali, na República Democrática do Congo, no Sudão, e sem esquecer as guerras surdas que sufocam as populações dos governos autoritários em África, na Ásia e na América Latina, e sem esquecer, ainda, as permanentes quesílias  entre governos e populações insatisfeitas e até revoltadas, queremos paz na Ucrânia.

O conceito e a palavra “paz” são de origem romana e têm um sentido que não é plenamente positivo: “pax, absentia belli”, diziam os romanos, isto é, “a paz é ausência de guerra”. Alargando o conceito de guerra, habituamo-nos a aplicá-lo a todo e qualquer género de violência. Histórica e socialmente constatamos que os acordos de paz e os tratados de paz, negociados após os conflitos, permanecem provisórios, por mais que pareçam conter intenções de serem perenes, senão eternos. Constatamos que os acordos e os tratados de paz representam intervalos de tempo entre guerras, porque não eliminam as ambições dos contendores.

Toda a História da Humanidade tem sido de guerras, terminadas por derrotas ou por negociações de paz que evitem humilhantes derrotas ou intermináveis e mútuas perdas. Através de guerras e de tratados de paz se foram agrupando os povos, se constituíram e se destruíram impérios, reinos e nações. Essas guerras eram determinadas por ambição de territórios de garantida rentabilidade económica, ou para afastar potenciais concorrentes, ou para influenciar potenciais aliados numa estratégia de dominação alargada. Assim, a paz não passava (talvez ainda não passe, hoje) de uma calculada estratégia de preparação de novas guerras, porque nem algumas pessoas, nem alguns povos abdicam da sua ambição hegemónica, e uns são obrigados a defender-se da hegemonia violenta de outros. É nessa calculada estratégia de hegemonia dos povos que se forjam ideologias identitárias, como instrumentos de excessiva valorização e de supremacia. As ideologias racistas e xenófobas (cobrindo exacerbados nacionalismos e religiões) alimentam identidades violentas que unificam os ânimos para a luta e para a violência. No entanto, todos os povos, ante as tragédias a que têm sido sujeitos pelas ambições políticas, ambições económicas ou ambições de hegemonia ideológica, desejam paz. Esta paz, desejada por todos, tem outro significado: significa tranquilidade, estado de espírito isento de ira, estado de espírito de confiança. Esta paz supõe entendimento entre as pessoas e entre os povos, por mais diferentes que sejam.

Inspirado nos ideais da Revolução Francesa, resumidos no lema da “liberdade, igualdade e fraternidade”, como modelo ideal de paz para todos os povos, o grande filósofo do século XVIII Immanuel Kant (1724-1804) idealizou que essa paz poderia ser universal, sob o regime de uma universal república, em que não se quebrassem as aspirações pacíficas de todos os povos. Esse modelo surgiu na sua obra “Projeto de paz perpétua” (1795). A revolução francesa, que inspirava tão virtuosas aspirações e que abriu caminho para os regimes de liberdade cívica, não evitou a violência e semeou guerras. Na sequência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi criada uma Sociedade das Nações (1919) para se conseguir uma paz definitiva entre as nações, que, no entanto, não conseguiu evitar a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na sequência desta última guerra, foi criada a ONU (1946) com o mesmo intuito de paz universal, que, também, não tem podido evitar as múltiplas guerras limitadas a que vamos assistindo, e sempre em risco de uma guerra generalizada, sob a ameaça catastrófica de armamentos nucleares, como a presente guerra da Ucrânia. Esta paz estabelecida por tratados e acordos políticos é transitória e não corresponde ao que os povos desejam e necessitam: a tranquilidade e a confiança entre todas as pessoas. Esta paz só pode ser alcançada pela luta individual e comunitária contra o individualismo pessoal, em que nasce e se desenvolve a inveja, o espírito de concorrência e de superioridade, a arrogância, a ira e o ódio. A paz que procuramos merecia outro nome, porque a paz que conhecemos só nos fala de guerra, não integra, sinaliza separação. O verdadeiro nome para a paz que desejamos e procuramos devia ter o nome de “concórdia”. A concórdia, como a sua origem latina indica, implica uma relação de harmonia pessoal. A palavra “concórdia” (cum + cordis = com o coração) exprime as relações humanas na sua verdadeira harmonia, não apenas de ordem racional (“de acordo”) mas também de ordem moral, afetiva. Só quando as relações entre nós humanos são (ou quando forem) de concórdia, sabemos (ou saberemos) o que é a vida autenticamente pacífica.

Jesus de Nazaré, na sua última Ceia com os seus discípulos, disse-lhes: «deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; a paz que vos dou não é a paz que o mundo dá» (Jn,14,27). Jesus fez bem a distinção entre a falsa paz mundana e a verdadeira paz da concórdia. É esta que procuramos e desejamos, a mais difícil, que nos exige a harmonia de vida dentro de cada um e de cada um para com os outros. 

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