A Praça e as boas pracinhas. Do ontem ao amanhã

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Reaberta a nova temporada do Café Américo, no último número deste jornal, com um artigo sobre as Festas d’Agonia 22, imagino-me sentado, de novo, no espaço daquele café, para cronicar sobre o nosso burgo. Enquanto aquele emblemático espaço da vida vianense do século XX vai saltitando entre a moda e o vazio, deixemo-lo soltar as suas mágoas, no regaço deste vetusto guardador de memórias, que é o Aurora do Lima.

No princípio eram o Café Américo e o Café Bar, mas também a Pastelaria Caravela, encontro das pessoas finas do burgo. E havia a Casa Aires, o Bernardo Dias, o Figueiredo, a Couto Viana/Havanesa, a Casa Ponte, a Casa Valença, a Tabacaria Cunha, o Quiosque da Lúcia, etc., que eu me lembre. Tudo espaços âncora e chamariz das gentes de cá e de fora.

 E o contexto territorial era a Praça da República. Para os vianenses, a Praça.

As praças são, nas cidades, locais abertos, respiráveis, considerados como lugares de passagem, centros do comércio, bússolas de referência, coração do encontro e da convivialidade. Estudos recentes posicionam as Praças como sendo o centro da “pausa”, descanso do bulício social e económico do quotidiano urbano. Para isso, necessitam esses lugares de âncoras económicas e sociais, ou seja, de equipamentos de compra, venda e convívio que chamem e juntem pessoas. Ao juntar pessoas constrói-se esse (bem) estar, esse conviver, esse sentido de pertença à comunidade.

Viana viveu durante muitos anos com espaços amplos específicos de comércio e de encontro, como por exemplo, o Largo de São Domingos, o Largo da Matriz e o Largo das Almas. Mas a centralidade de referência era a Praça da República. 

Na verdade, a dimensão de Viana sempre se deu bem com uma grande praça central. Contudo, outras praças foram aparecendo, mais como decoração urbanística do que com funções definidas. Falo, por exemplo, da Praça 1º de Maio, do renovado Largo Amadeu Costa, (ex-Altamira), da Praça Maestro José Pedro, e da Praça da Liberdade. Esta última foi, porventura, criada como candidata a concorrente da velhinha Praça da República. Mas não conseguiu. Nem os repuxos a puxaram para ser a nova Praça dos vianenses. Além do mais, o investimento repuxeiro esclerosou e nem a criatividade urbanística lhe conseguiu uso adequado. Digamos que é uma geringonça avariada, fustigada pelos ventos e alimentada pelos restaurantes das suas margens, onde as pessoas se refugiam do vento aquático. Serve para eventos de palco montado, com a Avenida pela frente.

E, no fim destas contas, a Praça da República ficou doente. Muitos companheiros de escrita o têm manifestado neste jornal. Os eventos musicais esparsos e os fugitivos feirões são esporádicos paliativos que lhe não trazem a VIDA do quotidiano. Viana não tem um Centro.

Na realidade, a Praça de República é tão aconchegada quanto mais amplo for o seu espaço, que a sábia viagem de Caramuru e de sua Moema amada até destinos da Praia Norte, ajudou a limpar. (Neste novo pouso, certamente que o Atlântico trará ao navegador, boas lembranças do seu querido Brasil.) Mas está vazia… de pessoas.

  Na Praça, entregue às suas históricas pedras, falta a gente, falta o desenvolvimento. Falta o comércio que atraia e faça conviver. Regressa a Memória virada para o futuro. Regressa a memória dos cafés recentes (muitos) que foram desaparecendo, onde nos encontrávamos com os amigos. Resta-nos um despido Caminho de Santiago.

Primeiro, o Café Américo, que depois de transformado em catedral de moda, caiu no abandono; depois, o Café Bar/Caravela que, mesmo encerrado e fantasmagórico, nos aguça o apetite com a descrição dos bolos nas suas vidraças; em seguida, o Café da Praça, um café promissor, fecha as portas onde vegetam folhetos ultrapassados; por fim, um café restaurante, com vibrante vida de esplanada, deixa de ser café, mantendo a esplanada, para depois se fechar dentro de portas, como restaurante, supomos.

Poderia dizer alguém: “Não percebes, estúpido? É o Mercado”.

Seja lá quem, ou o que for, o lugar das conversas, do encontro, dos passeios, da convivialidade desapareceu. E que lugares tentam substituir esse lugar, na cidade?

O velhinho Taurino, na Praça, vai fazendo as honras da casa, na sua modéstia. Uma pequena explanada em tempos de sol, lembra que por ali já houve vida. Obrigado e parabéns Taurino;

Um café resgatado ao passado glorioso do jardim marginal, como um girassol intemporal, tenta ressuscitar o local de encontro dos vianenses; 

Outros cafés se espalham pela cidade, em lugares de senta e levanta, acossados por veículos motorizados, não deixando de ser aglomerados de mesas, que mais parecem ilhas incomunicáveis. Nenhum deles, centralizador.

Mas a noite, a da juventude dos 18 aos 80, essa foi salva pelas pracinhas e pelo rasgo inovador de jovens empresários vianenses substituindo, altas horas, a velha Praça quinhentista.

São os eixos envolventes da Praça da Erva e do Palácio das Malheiras, que nos sussurram que Viana (foi) é lugar de encontro e de convívio entre gerações. Mas, agora, à noite.

Quanto à Praça da República, joia da luz do dia, exige que Mercado e Estado se entendam. Para bem dos vianenses.

José Escaleira

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