A sogra

Sidónio Ferreira Crespo
Sidónio Ferreira Crespo

A sogra da Lúcia Tulipa nunca aceitou o casamento com o seu único filho, Eduardo do Cravo, embora, aparentemente, disfarce o incómodo sentimental. Para ela, após a morte do marido, era uma continuação das reminiscências do passado e uma maneira agradável de cuidar do progenitor, embora já maior e bem empregado, fazendo-lhe companhia no decurso da viuvez. O matrimónio trouxe casas separadas, que lhe veio fazer confusão e uma carga de ciúmes, argumentando, com os vizinhos, que aquela rapariga de uma gelidez arrogante tinha-lhe transtornado a cabeça. 

A nora, por outro lado, vai desabafando com as amigas, ao argumentar que não há coisa no mundo que detesta mais do que a pessoa da sua sogra. 

– A tua mãe ainda vai conseguir a nossa separação. – Afirma, sempre quando surge algum desentendimento entre o casal. 

-Não, minha querida! Deixa de ser implicante. A minha mãe adora-te. – Diz, ele, com aparente convicção.    

O Eduardo não se apercebe do clima de guerra que existe entre as duas personagens. A Dona Amélia sabe fingir com mestria. Na frente do filho trata a nora de forma maravilhosa. Quando a visitam prepara a comida que ela gosta mais, conversa toda sorridente, pergunta como vai a vida, coisas deste género, a mostrar interesse, com laços de aparente amizade e simpatia. 

A sós, de forma brusca, solta veneno:

– Você não é capaz de fazer o meu filho feliz. – Rematando – É muito gélida e despreocupada. 

– Garanto-lhe que o nosso casamento vai durar, pelo menos, enquanto a senhora estiver viva. Não lhe vou dar esse gostinho, não!

– Está vendo? Você é uma falsa, além de mal criada. – Questiona-a.

– A senhora pense o que quiser. Quando morrer vou ao salão de beleza tornar-me mais atraente, só para estar presente no seu velório e ir ao funeral radiante. Faço questão de tratar tudo em grande estilo. 

– Você pode morrer primeiro? – Interroga-a a sogra. 

– É verdade…- faz pausa- Mas a senhora está mais perto, porque é uma velha acabada e má, com mente diabólica. 

A Dona Amélia, perante esta afronta, ficou com ódio feroz da nora. Partiu para o ataque, imaginando a melhor maneira da vingança. Inspirada pela raiva começou a arquitectar um plano para se ver livre daquela mulher que lhe complicava a vida. 

Passado algum tempo, um certo dia, o Eduardo, inesperadamente, atende um insólito telefonema no trabalho: 

– A Lúcia, neste momento, está a trair-te. Fui informada que recebeu, ou está a receber um homem na tua casa. – Informa-o a mãe. 

Ficou transtornado. Pensou ligar à companheira. Desistiu dessa intenção. Meteu-se no carro. Tresloucado, dirigiu-se para a habitação. 

Enquanto isso, na residência, a esposa discutia com um estranho:

– Deve haver um mal-entendido! – Asseverava, arreliada. – Não estou com problemas na instalação elétrica. 

O homem, devidamente instruído pela Dona Amélia, insistia: 

– Minha senhora, deixe-me entrar. Pretendo verificar se está tudo na ordem regulamentar. Foi a empresa que me mandou aqui. – disse o pseudo técnico, um moço atencioso, alto, de configuração elegante, vigoroso e bem-falante, que impressionava. 

Quando o Eduardo chegou, esbaforido, viu o homem entrar. 

– A minha mãe tem razão. Agora, sei que sou enganado. – Pronunciou, em voz alta, gesticulando com as mãos. 

O figurante, ao ouvir a voz do marido, fugiu através do quintal da residência. Voltou mais tarde, após tudo regressar, aparentemente, à normalidade, a fim de pedir desculpa da situação criada e explicar o sucedido. 

– És louco! Do que estás a falar? – Perguntou, meio aparvalhada. 

– Dessa pessoa que está aí dentro! – Afirmou, irritado, a berrar. 

Em vão a esposa tentou esclarecer tudo. O marido inspeccionava a moradia à procura do estranho, que não encontrou. Furioso, pediu o divórcio. Passou a residir na companhia da mãe. 

A Lúcia, no tempo, assentando ideias, aproveitou para telefonar à ex-sogra. 

– Nunca me esquecerei das suas reles insinuações – zangada – sua mentirosa, sua cobra venenosa… – Proferindo estes insultos, e outros, aos gritos.  

– O que houve? – Perguntou a Dona Amélia, ironicamente. 

– Não se faça de desentendida, sua velhaca! Agora, quero dizer-lhe, mais uma vez, que a culpa do divórcio foi toda sua! – Replicou, com voz firme. – Ao ter-me relacionado com outro homem, mas só depois deste cenário maldoso e diabólico que inventou, transformando o Eduardo num refém do seu egoísmo, não sente remorsos em ter separado uma família? – A pergunta ficou sem resposta. Continuou – E… –  com a voz mais alta, soltando uma risada – o que foi seu acólito é mais persuasivo, evoluído, inteligente e comunicativo que o palerma do seu filho. 

A Dona Amélia, do outro lado da linha, ficou boquiaberta. 

Nota: Este conto, por vontade do autor, não segue a regra do novo Acordo Ortográfico. 

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