No início do ano que, na crónica anterior, alvitramos fosse de tolerância, lancemos um olhar de observação e análise do que ele pode vir a ser, entre nós e no mundo.
O politicamente correto e a cultura de cancelamento que, nas últimas décadas tem avassalado o Ocidente, continuarão a ser cada vez mais contestadas, podendo, desta contestação, resultarem significativas alterações políticas e restrições às liberdades, nomeadamente às de expressão. E, no mundo em que vivemos, serão cada vez mais numerosos os que identificam as manifestações do politicamente correto e do cancelamento como pulsões autoritárias ou processos de lavagem ao cérebro, sob a capa democrática. Por isso, aumentando a desconfiança dos europeus nas suas instituições, esperam-se propostas de reformas, mais ou menos fraturantes, tanto na sua organização coletiva, como na área da segurança e defesa.
A política do “violoncelo” – “toma-se com a esquerda, mas toca-se com a direita” –, assente no pressuposto de que o eleitorado mais pobre e menos esclarecido gosta de ser iludido, foi muito popular na Argentina, nas últimas décadas. Os desastrosos resultados desta política, na economia e na sociedade, ditaram a recente vitória de conceções neoliberais e conservadoras, em eleições democráticas naquele país.
Entre nós, nos últimos anos, uma política aparentada com a do “violoncelo”, naufragou nos baixios da justiça, por desleixo ou incompetência dos seus timoneiros, e apresenta-se, agora, com idêntica tripulação, anunciando desejar seguir a “rota certa”, diminuindo as desigualdades sociais, que, infelizmente, aumentaram nos últimos anos.
As ondas de tensão e contenção, na Europa e no Próximo Oriente, o crescente descontentamento com os políticos e o mal-estar instalado nas classes médias podem determinar alterações e até convulsões, entre nós e no mundo, no ano que alvorece, mas parece-me que, mais determinante do que elas, será a cada vez mais reconhecida insatisfação pela atual vida coletiva, esvaziada de energia cívica e moral.