A vida de Carlos Reis em França – o último capítulo

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Carlos Reis

Não é em seis curtos artigos que eu posso expor a minha velha e agitada vida em França. Nos cinco precedentes tentei explicar como passei de operário da Fábrica Hutchinson, em Vesines, à preparação e final dos estudos de advogado, passando pela formação de solicitador. Este último artigo tem como objetivo pôr em evidência as pessoas que me acompanham desde 1962 e me ajudaram na minha viagem de 60 anos em França. Tentarei fazê-lo em artigo conciso, porque não o posso fazer de outra maneira. Assim, para além das que já tive a ocasião de dar a conhecer, nomeadamente a minha esposa, Anne Marie, professora de Economia, reformada, do meu filho Emmanuel, diretor de banco e da minha filha Nádia, advogada, quero enaltecer as pessoas que me evitaram muitas noites brancas, que passaram e deixaram saudades, direi mesmo noites de silêncio com notas de dor.

Como a vida de Paris não me convinha, deixei o Ministério das Finanças para aceitar ser diretor de um banco francês, “Le CIC”, em 1975, ano também da minha entrada para o Supremo Tribunal como perito.

Desde a minha chegada à Vesines, Chalette sur Loing, no Loiret, tive a formidável sorte de encontrar pessoas agradáveis e disponíveis. Primeiro os meus colegas de trabalho, Joaquim Santos, a família Pereira e particularmente o João, todos de Alvarães. O Joaquim Santos, que me incentivou, já que entendia que com a formação adquirida em Portugal não deveria ficar na fábrica. Depois, a jovem Yolande, ainda a frequentar o 7° ano do Liceu, com explicações de gramática. Não esqueço a família Pouvelle, “Tag e Jeanine”, Ele professor de Inglês e ela diretora de uma escola primária. Um dia, à entrada do cinema, em Montargis, Tag toca-me no braço e, com sotaque aportuguesado, pergunta-me se sou português. Respondo que sim. – Eu conheço bem Portugal, é a sexta vez que lá vou passar as minhas férias. Voltámos a encontrarmo-nos e ele faz-me a proposta de abandono das “barracas” de Hutchinson e de ir viver com eles, com a condição de eu lhe explicar o português e ele corresponder com o francês. Fantástico! Fiquei com eles seis meses, de onde saí para o centro de Formação de “Ajusteur”. Nessa altura, associado a um grupo de jovens eruditos e fãs do cinema, passei a frequentar cineclubes. Foi nesse tempo que encontrei a Marie Claude Esquillan, “la prof. de Carlos”, com a qual ainda hoje continuo próximo, direi mesmo, a minha melhor Amiga, entre os meus amigos. 

Amizade não tem preço. Eu sempre considerei que um amigo fiel é um abrigo seguro. Quando terminei ocurso de ajustador, novos encontros houve, particularmente a família Roger Golf, Golf diretor; Dominique e o seu marido Richard Palao, do lar dos jovens trabalhadores “des Acacias”. Com o Richard joguei a bola, uma equipa corpo, onde eu era o guarda-redes. No mesmo lar, uma das cozinheiras, Madame Samoyau, reservava-me sempre mais manteiga ao pequeno almoço, uma Santa!.. Quando deixei de trabalhar na fábrica “Riviere et Casalis”, verificou-se a minha entrada na Caixa de Previdência, graças ao Sr. Dupuis, Administrador da Caixa, e do Presidente, Sr. Mis. Devo referir, aliás, que foi aqui que melhorei o meu jogo de ténis, chegando a participar em torneios, integrado no clube da Caixa.

Exerci outros empregos, o de diretor de banco, professor de direito bancário, professor de direito no Liceu “Benjamin Franklin”, diretor de finanças de uma tipografia, que pertencia ao meu irmão Reinaldo, diretor adjunto de uma companhia de seguros, funcionário no Ministério das Finanças em Paris, etc. Uma vida em constante movimento. Treze anos da minha existência em França foram necessários para passar da condição de operário a uma licenciatura em direito. 

Com este sexto artigo pretendo, de forma modesta, agradecer a todos aqueles que contribuíram para fazer de mim o que hoje sou. Gostaria, se houver oportunidade, de dar a conhecer o meu percurso politico, que começou em 1983, como vice presidente da câmara onde vivo há 60 anos, à data, o único português eleito em França. O vianense sempre procurado para casar jovens de origem portuguesa. Efetivamente, em 30 anos de autarquia, casei dezenas de casais, de Viana, Famalicão, Caminha e outras terras. Em conclusão, poderei dizer que tenho orgulho do percurso que fiz. Sem desfalecimentos, de forma abnegada e combativa. Falar de mim, com emoção, poderá ser compreendido como manifestação de pequena vaidade, mas se estou a abrir a alma é para deixar claro que na vida nunca devemos desistir de, honradamente, saber percorrer o caminho da ascensão. Felizmente, outros emigrantes portugueses fizeram percursos idênticos. Com estes pequenos textos quero valorizar a minha condição de português, como tantos outros. Há momentos em que o silêncio deve ser de chumbo; e que mágoas podem ser choradas, particularmente por ter deixado a minha terra, o meu Portugal, mas a vida é como é e temos que a aceitar com naturalidade.  Fica a citação de André Gides: “…Place tout ton bonheur dans l’instant…”

Carlos Reis 

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