A vida passou depressa

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Com uma estaca comprida tendo na ponta um funil de lata, fui colhendo peras e maçãs dos ramos mais altos onde só com uma escada era possível chegar. Alguns frutos ainda não estavam bem maduros, mas, se assim não fosse, nem os provava.

A grande colheita já tinha sido feita pela passarada que por ali andara aos bandos. Não cantam de graça. Mesmo assim, o preço da beleza da melodia, do ritmo, da riqueza e variedade da música é pequeno. Desde o cantar da alvorada em revoadas de trinados, passando pelas desgarradas ao longo do dia, até à nostálgica cantilena do fim da tarde, toda a sinfonia é um concerto de eloquente orquestra regida pela batuta do sol, o seu exímio maestro.

-Ó menina, não se esforce tanto por tão pouco!

Aquelas palavras fizeram-me voltar muito atrás no tempo. Só podiam ter sido ditas por alguém mais velho. O sabor veio no vento, no sol, na chuva, no nevoeiro da memória de borboletas brancas a acasalarem na Primavera, do pinta o bago do Verão, das ramadas vergadas de cachos tintos e brancos do Outono, do rabusco a anunciar o Inverno.

-Vale sempre a pena, nem que seja só para aproveitar metade ou um gomo!

O sabor é único. Sabe a uma vida inteira, sabe a criança e bonecas brincando nos regos com barquinhos de papel. Sabe a merendas de pão de centeio e azeitonas no meio da seara, sabe a uvas e figos à sombra das árvores. Sabe a desfolhadas, dançando à volta das espigas fartamente vestidas de barba e de folhelho, entre o cheiro da broa cozida de fresco e do vinho doce da lareira.

A vida passou. A vida passou depressa. No amargo de hoje, o doce encanto desta orquestra deixa acatar serenamente a inevitabilidade, o fim da caminhada, quando o maestro baixa a batuta e mergulha no horizonte.

As hidrângeas tomam as cores de Outono. De azuis passam a violeta, de rosa a cor de vinho, pintalgam-se de manchas verdes, de malva e púrpura, e os pintassilgos namoram os cosmos ao fim da tarde, até que a noite caia.

Duas borboletas brancas passam lado a lado. Acasalaram na Primavera. Voam agora serenas, pelos tempos fora, brilhando as suas asas com a luz ténue dos últimos raios de sol.

Vem à mente Aurora de Nietzsche e a esperança de um novo mundo com o nascer do dia.

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