O Ser humano, em permanente congeminação, por vezes, ocorre-lhe o impossível. Se bem ponderássemos, bem menos erraríamos. Mas a existência é uma amálgama de bons e maus raciocínios, por isso, viva-se a vida, porque, com mais ou menos desencontros, importante é ser feliz e estar de bem com a consciência.
Joaquim Terroso, com entendimento prévio, apareceu-nos para mais um périplo pela cidade. Só que queria, de imediato, ouvir a nossa opinião sobre o que lhe ia na cabeça. – Sabem, como vos tinha dito, o meu neto Constantino e a sua Joana vão consorciar-se em breve. – Já sabíamos Amigo Joaquim; e é em Santa Luzia; até nos convidou para estarmos presentes. – Obviamente. E estamos mesmo a contar convosco. Mas, esperem, pretendia alterar o local. Pensei que o melhor não é o templo de Santa Luzia, instalado naquele monte de soberba vista. Sabem, queria que o casamento fosse no mar, em barco apropriado, fretado para o efeito. Adoro o mar e os navios.
– Um casamento a bordo de uma embarcação tem custos que vão além das suas posses amigo Joaquim. Isso ultrapassa todos os valores da sua bolsa. – Sabereis fazer-me uma estimativa? – Não, trata-se de um valor incalculável e também não nos parece que os noivos fossem aceitar. – Ora, querem lá eles saber, desde que seja o avô a pagar, tanto lhes faz.
– Avancemos. Convido-vos a caminharmos até ao porto comercial, mas o da minha meninice, onde as mulheres descarregavam o sal da masseira à cabeça, percorrendo os passadiços que iam do cais ao barco, sempre a pensar quando cairiam à doca. – Vamos, Senhor Joaquim. Os amigos não se podem contrariar, ainda para mais quando a idade pesa. Junto à doca, Joaquim Terroso fala-nos com saudade do movimento das embarcações que vinham descarregar o sal e o figo para João Alves Cerqueira; e dos bacalhoeiros da EPV, que aliviavam a carga em Leixões, porque em Viana, dado o assoreamento do canal de acesso à doca, isso não era possível.
– Olhem, esta doca, era mais curta? – Sim, mas apenas em um dos lados, caro Joaquim. Com as obras de 1931/1940 ficaram com a dimensão atual. – Acho que ainda me lembro quando a obra… – Não, deve lembrar-se quando os ENVC começaram a ser construídos, em 1944. – Sim, sim. Tinha 8 anos e tenho uma vaga ideia da abertura das docas.
– Voltemos ao porto de mar. Sobre a construção do primitivo porto, ontem li um pouco da história dessa construção. Também sabíamos, mas tínhamos que deixar Terroso “puxar dos galões”, como tanto gosta.
– Então se me dão licença, eu conto-vos. Anuímos, com um sorriso. – Ouçam, então: o porto de Viana, tão importante nos séculos XV e XVI, o segundo maior do país, ponto de partida na procura de novos mundos, não acompanhou a evolução dos tempos. Foram séculos a clamar por obras, com solicitações constantes ao reino, infelizmente pouco ou nada atendidas. Ao longo do século XIX, não faltaram projetos para a construção de um porto digno que servisse a cidade e a região, mas as obras nunca passaram dos projetos. Contudo, Viana não desistiu, porque, com este simulacro de porto, jamais a cidade se poderia reconciliar com o mar e aspirar ao progresso que tinha tido em séculos passados. Esta persistência dos vianenses acabara por sensibilizar o governo central para, a partir da carta de lei de 21/07/1852, tendo como instrumento orientador o projeto do Eng. João Tomás da Costa, abrir o processo tendente à realização das obras. Estas, com inúmeros contratempos de ordem técnica, foram dadas como concluídas e rececionadas a 14 de julho de 1898.
Como especialista em causa tão complexa, Adolfo Loureiro viria a afirmar na sua mais conhecida obra “Os portos marítimos de Portugal e ilhas adjacentes”, que Viana, doravante, passaria a contar com um dos mais importantes e apetrechados portos de Portugal, cujo custo deveria rondar 1.200 a 1.300 contos de reis.
Tão ufano que estava por nos ter contado esta história recheada de datas, socorrido por algumas notas previamente manuscritas, Joaquim Terroso já nem se lembrava do casamento do neto e da sua surrealista proposta de o fazer dentro de um navio em alto mar. Aida bem. Fica para a próxima, porque do que esquece hoje, bem ele se lembra amanhã.