Eu e Ana Maria estávamos na secretaria da Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo, onde fôramos colocados como professores.  Era um entardecer do dia 19 de outubro de 1969. Tínhamos saído de Lisboa, quase de madrugada, percorrendo os 400 quilómetros por uma estrada cheia de curvas que atravessava todas as cidades e vilas. Recordo que não havia autoestradas, nem telemóveis e o GPS era uma ficção estratosférica. Após breves minutos, fomos recebidos pelo diretor Aníbal Alcino. Baixo, ligeiramente obeso, tinha uma pele branca com sardas. Recebeu-nos com um largo sorriso de acolhimento e esta é a primeira memória que tenho dele. Após um breve diálogo de cortesia, afirmou:

– Vão gostar de Viana do Castelo. É uma terra de gente simpática e onde se come bem.

De seguida entregou-nos os nossos horários e recomendou: – Se querem ganhar o dia, têm de dar aulas logo à noite.

 Apesar de cansados, o corpo moído, aceitámos sem qualquer relutância. Deixou-nos depois dois conselhos: – Como aqui vocês não conhecem ninguém, dirijam-se à Pensão Laranjeira e digam que vão da minha parte. 

Com o (bom) caos que se seguiu ao 25 de Abril, veio a onda dos saneamentos. Nós estávamos em Angola e soubemos que um grupo de professores pseudorrevolucionários, mas também oportunista, correu e achincalhou o homem. Nem se podia dizer que Aníbal Alcino estivesse feito com a ditadura. Não estava, apesar do cargo. Desses tais saneadores, faço-lhes o favor de não me recordarem, nem um, ao contrário de Aníbal Alcino, a quem hoje dedico esta crónica. E se não sou vianense de nascimento, não posso deixar de o ser através das minhas filhas e dos meus netos.

Nesta cidade à beira Lima, resido há 53 anos. E se nunca a abandonei, foi, antes de tudo, pela fraternidade com que foi recebido e, depois, durante vários anos, tratado por este cidadão, que faz parte das minhas melhores memórias vianenses.

Orlando Barros