Amadores de Cultura: profissionais e não profissionais

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Ricardo Simões

Escreveu António Pedro, pensador e multifacetado artista que viveu (e morreu) em Moledo e que, a convite de Eugénio de Andrade, foi o primeiro diretor artístico do Teatro Experimental do Porto, que: “Amador é aquele que ama”. Corria o ano de 1957 e os órgãos sociais daquela associação cultural portuense haviam decidido pela profissionalização do seu grupo de teatro. Foi então que António Pedro, que depois de se ter dedicado ao teatro profissional em Lisboa, e de manter atividade de ceramista a partir de Moledo (tendo, inclusivamente, tido ligação com a Fábrica de Louça de Viana) formulou aquela frase, a propósito de escolher pessoas do grupo de teatro amador do Porto para com ele aprenderem e se tornarem profissionais. Quis ele significar que o amor do amador é uma caraterística intrínseca à relação que alguém tem com uma determinada arte, mas que, não obstante, tal não tem necessariamente que ver com o ser-se profissional ou não: ser profissional implica uma dedicação integral a uma arte ou ofício; ser não profissional requer uma dedicação parcial ou, pelo menos, dividida com o exercício de outro ofício ou trabalho. Por isso, na aceção de António Pedro, ambos podem ser amadores, ou seja, amar uma arte, mas, enquanto um faz disso o seu trabalho, o outro tem nela um passatempo ou, quando muito, uma segunda ocupação. E nenhum é melhor nem pior que o outro por isso. Mas ambos são diferentes e para exercerem a sua arte, o não profissional e o profissional têm necessidades específicas que são também diferentes entre si. Por isso, nada é mais enganador e injusto quando falamos em arte ou cultura, seja nas expressões mais populares, como nas mais eruditas, do que considerar que é tudo “mais ou menos” igual. Ou quando se exaltam os não profissionais como sendo aquelas e aqueles que verdadeiramente amam a(s) arte(s). Estas são falácias com as quais se presta um triplo mau serviço à cultura: enganando os não profissionais com papas, bolos e um punhado de fotografias para os jornais locais e redes sociais; apoucando os profissionais, fazendo-os sempre parecer caros e/ou despesistas; e atirando areia para os olhos dos públicos, continuando a permitir que lhes seja servido gato por lebre em termos artísticos. Assim, e 70 anos depois da frase de Pedro, continuamos a necessitar de qualificar a Cultura, muito mais através da criação e valorização de competências e bem menos, ou nada, por meio da repetição de inócuas declarações de amor. Porque, ao contrário do poema de Andrade, na Cultura, o que é urgente é o valor.

(*) Diretor Artístico do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana

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