Nesta minha prestação como cronista da rubrica de cinema, pretendo sublinhar a importância do cinema como função lúdica, aconselhando exemplos de cinema, desde as produções mais marcantes às mais atuais, realçando a sua heterogeneidade implicada com a intencionalidade utópica e ficcional, a adjacente componente histórica, a estrutura ancestral e endémica, e a própria evolução da sociedade.
Nesta estreia escolhi partilhar convosco o último filme que vi em televisão, por sinal um filme recente de 2020, intitulado de Ammonite. Ao reparar no olhar carcomido da Atriz Kate Winslet, ao percorrer a praia da pequena cidade Inglesa de Lyme em direção às falésias em busca de uma panóplia de fósseis, tive o sentimento de que o enredo do filme podia conter algo de pertinente, pois era visível uma tendência sombria e misteriosa, espelhada pelo cenário agreste e por personagens de cariz soturno e enigmático. Este diagnóstico inóspito, deu origem a um romance lésbico, claramente controverso, não só por ter como palco um local provinciano, mas também pela história decorrer no século XIX, em que a referência à homossexualidade era ainda tabu.
Na invocação a esta sequiosa paixão, temos a famosa paleontóloga Mary Anning, com um traço de personalidade empedernido, e, do outro lado da parelha, a frágil e bisonha Charlotte, afetada pelo casamento dececionante com o geólogo Roderick. Este, de passagem por Lyme, embrenha-se noutra expedição, deixando, numa decisão repentina, a sua Charlotte aos cuidados de Mary, surpreendendo-se esta com o pedido oficioso de Roderick. Charlotte, a quem o seu médico pessoal tinha recomendado os ares frescos e naturais de Lyme para curar a sua patologia depressiva, acaba por ficar na terriola, acompanhando com regularidade Mary na recolha e tratamento de fósseis.
O relacionamento entre ambas vai-se solidificando de dia para dia, até que num súbito momento, ao chegaram de um recital musical, atingem o culminar da sua atração, beijando-se e cariciando-se calorosamente. A partir desse momento, o filme postula cenas de sexo voluptuosas e intensas, a evidenciarem todo um manancial de desejo carnal, que estava obtusamente retido, expurgando, simultaneamente, toda a melancolia. Só que uma carta enviada por Roderick vem acabar definitivamente com esse estado de graça.
Independentemente do desenlace do filme, a história demonstra que quando alguém padece duma eloquente carência afetiva, corre o risco de se envolver num romance arrebatador e impensável, por isso “nunca digas desta água jamais beberei”.
Alcino Pereira