Conheci António Couto Viana um ano antes dele se desmaterializar. Vinha para o lançamento do seu último livro de contos pícaros, no auditório da Biblioteca Municipal com o seu nome: O QUE É QUE EU TENHO, MARIA ARNALDA?
Apesar de se deslocar numa cadeira de rodas, não tinha perdido o seu apellon de insigne e atraente fidalgo: fato completo, escuro, camisa branca e gravata em tons de vermelho e um cabelo primorosamente penteado. Vinha, como se dizia antigamente, “para ir à ópera.”
Autor de uma profícua obra literária, o vianense António Couto Viana teve uma vida cultural recheada das mais diversas e sublimes atividades: poeta, dramaturgo, ator, encenador, diretor teatral, tradutor. Mas foi já entrado nos seus oitenta anos e muito bem hospedado na Casa do Artista, que ele enveredou por um género literário novo na sua obra e, pode dizer-se, na literatura nacional: o pícaro.
Nascido na Espanha do século XVI-XVII, o protagonista neste subgénero literário é um anti-herói de classe social baixa, que vive da sua manha e dos mais criativos ardis para enganar os outros. Mas é igualmente, um indivíduo descrito com traços humorísticos que nos leva a gostar dele. A “Crónica dos bons Malandros” não estando inserida no género literário picaresca, não deixa de nos revelar uma boa série de anti-heróis pícaros. O relato é sempre feito num tom autobiográfico, podendo referir factos da infância do autor, até à idade em que está a escrever no momento. O herói pícaro é farsante e aldrabão, sofrendo com os azares que a vida lhe impingiu, mas onde ele tem a sua quota parte de responsabilidade.
Após dezenas de obras publicadas, é aos 83 anos que Couto Viana passa a viver na Casa do Artista e envereda por um estilo novíssimo para ele: os contos pícaros. Publica então tês títulos: “Meias de seda vermelha e outros contos pícaros”; “Os despautérios do padre Libório”; “O que é que eu tenho. Maria Arnalda?”
Onde têm lugar essas três dezenas de contos? É o próprio Couto Viana no prólogo do livro “Os Despautérios do padre Libório” que escreve o seguinte: É minha tia Rosalina que não saindo senão para a missa e para o teatro (subentende-se o teatro Sá de Miranda), conhecia todas as histórias pícaras e dramáticas da cidadezinha. Que cidadezinha? A sua Viana natal, marinheira, rural, riba Lima, pequena burguesinha. António Couto Viana é uma figura cultural de enormíssimo relevo, lado a lado com os maiores da nossa literatura. Nas escolas vianenses merecia um espaço à parte nos currículos escolares.
Orlando Barros