A escuridão cobriu os céus de Portugal, por muitos e longos anos. Não fosse uma andorinha anunciar que o sol, brilhante e fonte de vida, iria rasgar a teimosa penumbra, da ignorância, da sorte perdida. Rasgando os horizontes, se aproximava uma Nova Era. A alvorada, luzente e clara, como água de infinito cristal, fazia antever o verde, dessa esperança, que ceifava o mal. Abria-se a porta, e em bicos de pés o progresso pedia licença para entrar, já que por séculos havia sido ostracizado, por tanto tardar. A bruma, desfazia-se ante a claridade, como vapor furioso, que em panela fechada se solta, em furiosa vontade. Nado vivo, em mãos de amor e crentes no porvir, chamaram-lhe Maria, seus pais, não por ser mulher, quiçá pelo sentir. O raio de sol fulminou o tísico papel, escrevendo como pena dourada, escorregando na agrura da natureza morta do suporte, firmando-o como António Maria de Fontes Pereira de Melo, o Homem que fez luzir Portugal, fez esquecer a sua morte – a da Nação! Ante Deus, suplicava-se o habeas corpus – para uma Nação manietada, que por carris se queria libertar, afortunada! A condição sine qua non, o acreditar, que apesar de mortos, podemos acordar! Há momentos em que a memória nos lembra aqueles e aquelas a quem devemos fazer uma vénia. Os que de um ou outro modo nos legaram um melhor presente e uma fé inabalável no futuro. A esses, fica-nos a divida, a divida da gratidão! António Maria de Fontes Pereira de Melo nasceu em Lisboa aos 8 de setembro de 1819, e morreu na mesma cidade aos 22 de janeiro de 1887. Era filho de João Fontes Pereira de Melo, um fidalgo da Casa Real, e de Venância Rosa da Cunha Matos. Ainda em tenra idade (13 anos) assentou praça na Armada, iniciando os seus estudos na Academia dos Guardas-Marinhas. Passados dois meses recebeu o batismo de fogo, ao combater nas linhas de Lisboa contra os apoiantes de D. Miguel. Pouco depois matriculou-se na Academia de Fortificação, mais tarde denominada Escola do Exército, onde estudou engenharia, tendo sido promovido a Tenente em 1839. Nesse ano acompanhou o pai como ajudante, que havia sido nomeado Governador da Província de Cabo Verde. Ao regressar a Portugal juntou-se ao Duque de Saldanha, aquando dos movimentos insurrecionais de 1846, conquistando a admiração deste. Após a Guerra Civil foi eleito deputado pelo círculo de Cabo Verde, surgindo-lhe algumas vicissitudes, face à sua eleição, as quais ultrapassou com o apoio do Duque de Ávila, conseguindo ver reconhecido o seu mandato. Em meados de Oitocentos (1850), levantou a voz contra a denominada “Lei da Rolha”, que restringia a liberdade de Imprensa. No mês de julho de 1851, em virtude da remodelação do primeiro Governo da Regeneração, foi investido do cargo de Ministro da Marinha e Ultramar, lugar que ocupou até aos 4 de março de 1852 e, a convite do Duque de Saldanha, transitou para os Negócios da Fazenda. No exercício das suas funções procedeu à regularização dos vencimentos dos funcionários públicos, fazendo disparar os rendimentos das Alfândegas. A partir do final de agosto seguinte assumiu também a pasta das Obras Públicas, Comércio e Indústria, de cuja criação foi um forte protagonista. Fontes Pereira de Melo, neste Ministério, contribuiu sobremaneira para o aumento da construção de estradas, para a construção dos Caminhos de Ferro, para a montagem da primeira linha de telégrafo, para a inauguração de carreiras regulares e de barcos a vapor, para os serviços postais e as redes telefónicas. A sua passagem pelo Ministério das Obras Públicas e a política adotada por Fontes nos melhoramentos materiais do Portugal de Oitocentos foi de tal ordem marcante que, esse período, ficou conhecido como “Fontismo”. Fontes assumiu essas funções até aos 6 de junho de 1856, regressando ao executivo aos 16 de março de 1859, presidido pelo Duque da Terceira, porém, à frente da pasta dos Negócios do Reino, no qual se manteve até aos 4 de julho de 1860. Aos 5 de agosto de 1865 regressou à pasta dos Negócios da Fazenda, no Governo liderado por Joaquim António de Aguiar, forjado nas eleições de 9 de julho desse mesmo ano, o qual ficaria conhecido como Governo de Fusão. Daí em diante, até à queda do executivo, aos 4 de janeiro de 1868, devido ao movimento da Janeirinha, acumulou interinamente a pasta da Marinha. Aos 13 de setembro de 1871 estreou-se na Presidência do Conselho – numa altura em que Fontes era líder do Partido Progressista Regenerador, acumulando também as pastas da Guerra, dos Negócios da Fazenda (até aos 11 de outubro de 1872) e da Marinha (a partir dos 6 de setembro de 1875), demitindo-se aos 5 de março de 1877, devido à forte instabilidade promovida pelo despedimento do seu Ministro dos Negócios da Fazenda – António de Serpa Pimentel – que foi alvo de duras críticas, apontadas pelo recém-criado Partido Progressista, pela altura da apresentação do Orçamento de Estado. Todavia, mesmo assim, o Governo manteve-se até aos 29 de janeiro de 1878, sob a presidência do Marquês de Ávila. Este, viria a ser o Governo mais longo da segunda metade de Oitocentos. No ano anterior, em 1877, Fontes realizou uma longa viagem pela Europa, em recreio, regressando aos 21 de outubro. Aos 29 de janeiro de 1878, contrariando a tradição política, que impunha a chamada do chefe da oposição quando determinado executivo caía, Fontes foi instado pelo monarca a formar Governo, todavia, mesmo cedendo, solicitou a demissão do gabinete aos 30 de maio seguinte. Aos 14 de novembro de 1881, assumiu a presidência do executivo, que até então era dirigido pelo seu correligionário Rodrigo Sampaio, desde 25 de março desse mesmo ano – juntamente com as pastas dos Negócios da Fazenda (que delegou aos 24 de outubro de 1883, em Hintze Ribeiro) e da Guerra, que dirigiu até à demissão do Governo, em fevereiro de 1886. Desse mandato, destacam-se as principais medidas, como o Ato Adicional à Carta, que transformou a Câmara dos Pares de hereditária em vitalícia. Voltando à vida privada, Fontes realizou um novo périplo pelo estrangeiro. Ao regressar à sua pátria empenhou-se na preparação das eleições de março de 1886. Em 1887 Fontes finava-se, vítima de doença súbita. O funeral de tão ilustre português teria que ser distinto, distinto porque Fontes era de facto uma personalidade irrepetível, agregadora e cativante, que nesse momento, no seu último momento, antes de seguir o caminho dos Deuses, fez acorrer às suas cerimónias fúnebres as mais diversas forças políticas, tal era o consenso gerado em volta da sua personalidade.
- António Maria de Fontes Pereira de Melo foi também Governador da Companhia do Crédito Predial Português e Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, para além de pertencer ao Conselho de Sua Majestade e ao Conselho de Estado •
A esse fabuloso português muito lhe devemos – Obrigado!