ALEGAÇÕES FINAIS – 3
“Mais vale ficar calado, e passar por tolo, do que abrir a boca e desfazer qualquer dúvida”. E. porque tinha dúvidas quanto à veracidade desta citação, bem como à autoria desta cautelosa máxima, telefonei ao Dr. Luís Ribeiro, o empolgante professor de Filosofia na Academia Sénior, que a confirmou, sem hesitações, quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao autor: Abraham Lincoln, esse mesmo, o 16º Presidente dos USA (Estados Unidos da América). Mas, cá para mim, a letra não dá com a careta. E porquê? Porque este político, advogado e orador pode ter sido um homem prudente (a prudência anda de mãos dadas com a sabedoria), mas foi um político corajoso, um orador desenfreado e um advogado de causas superiores. Lutou (guerra civil americana) contra as ideias e as práticas esclavagistas dos Estados sulistas e acabou como mártir das suas próprias ideias (anti escravatura e, por outro lado, a unificação dos estados americanos). Foi assassinado (shot gun) por não ter estado calado naquele momento e não ter passado por tolo. Ou seja, essa máxima (ou conselho) não foi seguida por ele próprio.
Independentemente do respeito que devemos a qualquer ser humano (e agora esta atitude de respeito já avança para o reino animal e para a ecologia), toda e qualquer instituição sobre a face da terra, agregadora de seres pensantes, deve ser objeto de permanente escrutínio por parte das pessoas que, direta ou indiretamente, a compõem.
Notemos que a Igreja Católica tem cerca de dois milénios de existência e que o Estado Português tem quase nove séculos de vida e, se olharmos à nossa volta, os insignificantes clubes rotários, lionísticos, desportivos ou de entretenimento e conversa têm, muitos deles, mais de um século. Ou seja, nós – pensantes e viventes – não metemos prego nem estopa para a sua criação. Resumindo: a nossa opinião nunca foi tida nem achada para coisa alguma, mesmo nas instituições com peso e poder de direção ou regra para as nossas consciências ou o nosso modo de vida, pelo que é uma grande cretinice da nossa parte se não aproveitarmos as poucas ocasiões que, forçadamente às vezes, nos permitem escolher, em eleições, quem nos deve governar e, em referêndum, o que achamos mais apropriado e mais justo para a nossa vida individual ou em comunidade.
Por isso, não é boa conduta querer “passar por tolo” ou cobarde ou pobre diabo ou coitadinho nas raras ocasiões de cumprirmos um dever cívico (votar, por exemplo) e do seu correspondente direito. É que as pessoas da minha geração (e mais velhas) sabem que, na sua história de vida, nem sempre foi assim. Nunca aparecíamos nos martelados cadernos eleitorais. Isto num estado laico, porque numa instituição religiosa (no caso português, a maioritária Igreja Católica), apesar de “Deus ser o Pai de toda a humanidade” e “Jesus Cristo ser o nosso irmão pleno” (segundo a crença – e doutrina – fundamental da dita igreja), não consta nos seus anais (salvo raríssimas ocasiões) que os seus fiéis tenham sido escutados para coisa alguma. Como todos sabemos é uma instituição de governo monárquico por sucessão eletiva (quanto o Papa, mas até esta exceção se socorre de um reduzido grupo de purpurados para a função eleitoral). Mais de mil milhões de fiéis ficam de fora.
Mas a que propósito vem o título “Aqueles 70 por cento de tolos”? Porque esta foi a percentagem de abstencionistas, em Portugal, nas últimas eleições para as “Europeias” – parlamento europeu. Ora, trocando por miúdos: relativamente aos 10 milhões e 700 mil inscritos nos cadernos eleitorais, o número abismal de 7 milhões e quase 500 mil de potenciais eleitores recusou-se a dar a sua opinião, nesse dia. E, fossem ou não consideradas importantes as eleições, houve um número record de portugueses que achou que o seu voto não valia nada ou não era tido em conta. Não é preciso ser doutorado em história (basta a história da antiga quarta-classe e os anos que os meus contemporâneos viveram no fim dessa quarta-classe), para saber-se 3 coisas de altíssima importância: 1) – Nunca se registou em Portugal, nestes nove séculos de existência, um tão grande nível de investimento democrático em muitas áreas económicas e sociais, com a grande maioria de capitais europeus; 2) – Em democracia, nunca tivemos tanta certeza de um bom ou razoável governo na área das finanças públicas e orçamentos (Salazar também teve esse mérito, mas em DITADURA), pois a União Europeia, o Parlamento Europeu e o seu braço executivo (a Comissão Europeia) fiscalizaram, com braço de ferro, as nossas contas públicas, não permitindo, por exemplo, que o Portugal da era socrática (o tal Zé Sócrates e os seus compadres alegadamente corruptos) caísse na miserável bancarrota; 3) – Que, nestas quase sete décadas de História Europeia, tenha havido um tão grande tempo de paz, dentro dos países da UE (União Europeia).
O que esse triste bando de abstencionistas confirma é que a paz entre nações e povos, as contas certas e a responsabilidade cívica, o progresso e a manifestação da vontade popular, tudo isso não tem qualquer valor para essa gente. E se falarmos de instituições religiosas, que tratam de “altíssimas causas”, o panorama é ainda pior, porque o desinteresse generalizado, a clubite fanática e ignorante de muitos, o poder e a luxúria das reduzidas altas instâncias tentam abafar tudo e todos. Definitivamente: “o calado é o pior!”
(Imagem: “Homens Piedosos”)