As minhas mãos

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Quando olho as minhas mãos tão cansadas,

Massacradas pela dura vida que lhes dei,

Me arrependo, pois, o mal que lhes causei

As tornaram irreconhecíveis e deformadas.

Mãos inocentes que castiguei sem piedade,

Sempre à espera do carinho que não existia;

Mãos enrugadas, sem atrativo, sem alegria

Mas que conservam uma eterna ansiedade.

E sem queixume nunca elas se negaram 

A ir comigo fazer frente ao duro labor.

Mãos desprezadas as quais neguei o amor

E que as minhas vontades doidamente escravizaram.

 

Mas agora, ao vê-las erguidas em oração

Pedindo, enfim, aquela paz bem merecida,

Compreendo que fui carrasco e que na vida

Tenho sido um inconsciente, um homem sem coração.

Me apercebo que, afinal lhes devo tudo:

A vida, a minha probidade, meu património;

Sei que nada sou… enfim um pobre demónio,

Um desinteressado, um ingrato, um sisudo.

 

Pobres mãos que acompanharam a minha dança

O ritmo irreversível da ambição,

Mãos esquecidas, sem um pouco de afeição,

Mãos carecidas de compreensão e de bonança.

Mãos onde eu vejo, tardiamente, os caminhos

que eu tracei por egoísmo e imposição.

Mãos que jamais eu poisei sobre o coração

E às quais dei meus desejos brutos e daninhos.

 

E assim sujeitas a quem nunca soube amar,

Se acomodando à frialdade da minha existência,

Vão suportando a minha incompreensível persistência

Sem saberem quando o martírio irá findar.

Mas, arrependido, vou pensando um pouco nelas,

E se tanto as molestei no longo passado,

Quero, enfim, para alívio do meu pecado

Dizer-lhes que todo o meu ser depende delas!

 

Eugénio Monteverde

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