As vindas de Camilo a Viana 

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É sabido que Camilo Castelo Branco trabalhou no jornal A Aurora do Lima como redator principal e que, na sua permanência em Viana, durante parte da década de cinquenta de 1800, residiu numa casa em S. João d’Arga, em plena encosta do Monte de Santa Luzia. Nesta cidade, tinha bons e generosos amigos, que em tudo o apoiavam e protegiam, como os irmãos Mateus, Luís e José Barbosa e Silva, residentes numa casa grande, ricamente mobilada e decorada, na rua da Piedade, hoje Mateus Barbosa. E este para além de ter sido Presidente da Câmara, muito ajudou financeiramente o Hospício da Caridade. 

José Barbosa e Silva e seu irmão Luís davam numerosas festas em casa, à noite, e convidavam pessoas amigas, como, aliás, acontecia com outras famílias. Nessa época, convivia-se muito, ora na casa de uns ora de outros. Disso faziam eco os jornais da terra. Nas festas familiares tomava-se chá acompanhado das meias-luas do Recolhimento de Santiago. Outro grande amigo de Camilo foi o Eng. Luis Xavier Barbosa, natural de Caminha, nascido a 30 de outubro de 1849. Luís Xavier Barbosa era grande admirador de Camilo e era possuidor, possivelmente, do melhor e mais completo espólio camiliano do país, onde constava a correspondência, escrita pelo seu punho, com os seus tios – os irmãos Barbosa da rua da Piedade de Viana. Possuía centenas de cartas e escolheu as menos íntimas, publicando-as em livro, anotando-as com fino espírito critico e agradabilíssimo recorte literário. As restantes já as tinha queimado, procurando nunca diminuir o prestígio do grande romancista. 

Luís Xavier, entre outras responsabilidades, colaborou no “Fragmento da planta cadastral da cidade de Viana do Castelo, levantada em 1868 e 1869 por A.J.T. Ferreira e L. V. Salgado, com indicação do circuito das muralhas que rodeavam a antiga povoação de Viana da Foz do Lima. Muralhas construídas de 1263 a 1374, as Fernandinas, e circuito delineado em 1898 pelo mesmo Luís Xavier Barbosa, conforme os vestígios nesta data sobrantes”.  Xavier Barbosa veio a falecer em Viana a 12 de julho de 1925. Em 1919, escreveu o livro “Cem Cartas de Camilo” e pela primeira vez conheceram-se pormenores da vida do escritor de S. Miguel de Seide. Luís Xavier Barbosa conhecera-o em Viana quando ainda era menino e moço. O livro, da responsabilidade da editora Portugal-Brasil Ltda, causou algum alvoroço quando apareceu nas livrarias em fins de 1910, por ser fora do comum. A primeira remessa de volumes esgotou rapidamente.

A loja do Valença era um estabelecimento comercial na Praça da República, antiga Praça da Rainha, por onde Camilo passava, pertença de João de Passos Oliveira Valença. Vendia fazendas, flanelas inglesas e os melhores tecidos portugueses de qualidade superior, para homens. Também vendia chá vindo diretamente de Cantão. O Senhor Valença era ainda chefe do Partido Progressista de Viana do Castelo. Em 1910 o País mudou de regime e a loja passou a ser local de tertúlia das individualidades mais conhecidas ou importantes da cidade.

Camilo tinha lá um banquinho com a inscrição “neste banco sentou-se Camilo em 1857”. Igualmente passavam por lá Ramalho Ortigão, Fialho, António Feijó, mas habitualmente via-se Luís Xavier Barbosa, Abílio Guerra Junqueira, Luís Figueiredo da Guerra, José Caldas, João Caetano da Silva Campos, Domingos Tarroso, Alberto Queiroz e José Pereira Cyrne. Lembramo-nos de ver mais tarde Augusto Valença e seu filho que lhe sucedeu na loja, António Valença, que ainda é vivo, com mais de 90 anos, e que é o irmão mais antigo da Santa Casa da Misericórdia.

As cartas de Camilo eram tantas que, no dizer do Dr. Alberto de Magalhães Queiroz, nosso tio – avô, pelo lado paterno, que bem recordamos, disse ao autor do livro donde extraímos as nossas pálidas palavras – Queimei Cartas de Camilo de José Rosa de Araújo – enchiam um gavetão a transbordar. Isto foi dito de viva voz na loja do Valencinha a Zé Rosas, como ele gostava de ser tratado. Pelos vistos Alberto Queiroz também entrava na tertúlia. Na verdade, Xavier Barbosa tinha uma biblioteca extraordinária, pois era um autêntico bibliófilo, tinha amor aos livros. O seu espólio foi vendido em leilão em Lisboa. Oportunamente voltaremos a este mesmo livro de José Rosa Araújo.

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