Capela de Santa Catarina

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Francisco Carneiro Fernandes

É remota, na foz do Lima, a devoção à Mártir Santa Catarina (Alexandria, Egipto, n. 287 – f. 305), com festa litúrgica a 25 de Novembro. Hoje, em lume brando, quantas vezes esquecida, mas viva no coração mais profundo da população ribeirinha.

Nos números do “A Aurora do Lima” de 22-XII-2022 e 12-I-2023, publicaram-se resenhas históricas de dois templos vianenses: Capela de Nossa Senhora das Candeias, antiga de Santo Homem Bom, Padroeiro dos Alfaiates, Sirgueiros, Mercadores e Tosadores; Capela de Nossa Senhora do Resgate, antiga de S. Crispim e S. Crispiniano, Patronos dos Sapateiros, Surradores, Curtidores e Correeiros. Também a Capela de Santa Catarina tem a sua História.

Edificada nos primórdios do século XVII, a remirar o mar e a Fortaleza de S. Tiago da Barra, a Capela de Santa Catarina foi remodelada em 1859 e beneficiada no 1.º quartel do século XX. Mas o culto de Santa Catarina de Alexandria é mais antigo, em Viana da Foz do Lima.

Com base no historiador vianense Luiz de Figueiredo da Guerra (1853-1931), o primitivo templo situava-se próximo da “Torre da Roqueta” – enobrecida nos primórdios do século XVI com as insígnias de El-Rei D. Manuel I –, com cemitério privativo, mas ficou dentro do forte ou fortaleza abaluartada, sob o domínio filipino (1580-1640). Felipe III de Espanha, por alvará de 19-X-1610, passado em Ventozela, deu plena satisfação à queixa apresentada pelos “Homens do Mar” e devotos (“Cartório dos Mareantes, tít. 245”), que viram interdito o acesso à remota Capela de Santa Catarina no interior da nova praça de armas, oferecendo-lhes em troca a actual Capela de Santa Catarina, edificada a Nascente da Fortaleza de S. Tiago da Barra. Assim registámos há 40 anos, no tomo 6.º dos “Cadernos Vianenses”: 

«Fechados os muros da nova praça de armas, confrades e devotos viram interdito o acesso, e os da guarnição de tudo se apoderaram, inclusivé das alfaias de culto, retábulos e sineta. A Confraria representou ao soberano Filipe, considerando, achou que “por ser cosa Iglesia” se devia satisfação, e mandou pagar os 900 ducados, da avaliação das alfaias e objectos de culto roubados, pelo “que rendessem os embargos e as denúncias” – “de lo que procediese de las condenaciones”. Nesse documento se nomeia a “Confraria del Nombre de Jesus”, que na ermida de Santa Catarina tinha “paroquia y entierro de los Mareantes”. 

A ermida [primitiva Capela de Santa Catarina] possuía, portanto, um cemitério privativo de pescadores e marinheiros. O cemitério geral era na “Matriz Velha” (nas Almas).»

*   *   *

A actual Capela de Santa Catarina preserva património histórico e artístico digno de contemplação. No ARCO que separa a nave da capela-mor, a seguinte legenda: «Foi toda esta capella reedificada em 1859.» Nos flancos, dois conjuntos de capitéis historiados, clássicos, em estilo Maneirismo, com a data inscrita de 1614. Terá sido um pórtico: obra de cantaria, composta de três colunas coríntias em cada lado, rematados por arquitrave adornada de querubins em relevo, enquadrando representações de Santa Madalena, O Pai Eterno, um Santo e Alegoria às Almas a penar no Purgatório.

Na NAVE, dois retábulos “compósitos”. O do lado do Evangelho é consagrado ao Senhor dos Milagres, invocado pelas gentes do mar em horas de aflição e também na cura de diversos males. Expostos na parede, “ex-votos” em cera, assim como duas miniaturas de veleiros, indicando os milagres alcançados. Um deles representa um lugre patacho: meio casco (vendo-se à sua esquerda a “Torre da Roqueta”), emoldurado em caixilho em tronco de cone. No cartão anexo, lê-se: Faço esta oferta ao Senhor dos Milagres em reconhecimento das mercês que me concedeu como mestre. Rufino Gonçalves Cachina. (Trabalho do pai do ofertante, o mestre Francisco Gonçalves Cachina).1

O retábulo do lado da Epístola preserva a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso, invocada nos partos (daí ser popularmente chamada de “Nossa Senhora do Parto”). Neste flanco, sensivelmente a meio, há um púlpito de pedra, que contem gravada na base a data de construção da ermida: 1604; provavelmente 1614, sabendo-se que a actual Capela de Santa Catarina foi concedida aos Mareantes por alvará passado por Felipe III de Espanha em 19 de Agosto de 1610 e atendendo à data de 1614 gravada nos capitéis de pedra.

Veneram-se ainda as imagens de Santa Bárbara (hoje, no retábulo-mor), Nossa Senhora das Mercês (nave, lado do Evangelho), Nossa Senhora do Livramento (nave, lado da Epístola). Em altares colaterais ao arco da Capela-Mor, Nossa Senhora da Guia e Nossa Senhora dos Mares. Na SACRISTIA, O Senhor do Socorro.

Na CAPELA-MOR, retábulo em “Estilo Nacional”, de planta plana (ligeiramente côncava no tramo central), tipologia representativa do Barroco seiscentista do reinado de D. Pedro II: de madeira entalhada, dourada e policromada, de um corpo e três tramos. No trono, imagem de vulto da Padroeira, Mártir Santa Catarina de Alexandria; nos intercolúnios, São Tiago e Santa Bárbara. Na parede Sul, pintura sobre tela, que esteve colocada na boca da tribuna a recobrir o trono: São Tiago a combater os Mouros.

NOTA: É variável a representação dos símbolos de Santa Catarina de Alexandria. Mártir cristã e intelectual, tem como atributo principal a roda dentada, de navalhas, mas quebrada, simbolizando que sobreviveu à tortura, sendo padroeira de inúmeras profissões mecânicas associadas à roda (carpinteiros, ceramistas, moleiros, amoladores, torneiros, fiandeiros, etc.). Outros símbolos ou atributos iconográficos: coroa da glória; palma do martírio; livro da eloquência, sendo invocada por filósofos, estudantes, professores, etc.; espada, que enfrentou antes de ser degolada, aos 18 anos; cabeça do imperador romano que a perseguiu e mandou executar. 

Na Capela de Santa Catarina: Escultura de vulto, policromada. De resplendor, apresenta longa cabeleira trabalhada em madeixas, rosto jovem com cílios e lábios finos e nariz afilado. Na mão direita, a espada com que golpeia, transcendentalmente, a cabeça do Imperador Maximiliano (“Maximino Daia”), colocado, em efígie, a seus pés. Com a mão esquerda exibe o livro da Sabedoria.

N.R. Autor escreve ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.

1 Escrevemos em 1981, nos Cadernos Vianenses: «Décadas atrás, saía anualmente uma procissão desta capela que percorria as principais artérias do bairro da Ribeira. Tradicionalmente, incorporavam-se os andores do Senhor dos Milagres e de Nossa Senhora dos Mares, com acompanhamento de figuras alegóricas. A última realizou-se há cerca de 50 anos, nela tomando parte, além do cortejo habitual, o andor de Nossa Senhora do Resgate, com a permissão da Confraria dos Sapateiros, a pedido dos Mareantes (informação oral).

Presentemente, esta capela serve de templo de invocação e de sufrágio das almas dos náufragos.»

Bibliografia:

GUERRA, Luiz de Figueiredo da: Esboço Histórico: Viana do Castelo, Coimbra, 1877; Archivo Viannense, I, Viana do Castelo, 1891-1895; Números de A Aurora do Lima, de 30-IV e 14-V-1926: Apontamentos, coligidos em 1929 pelo P.e Manuel Fortunato LOPES.

FERNANDES, Francisco José Carneiro: “Capelas de Viana”, Cadernos Vianenses, tomo 6, Dezembro 1981; Viana Monumental e Artística, GDCT ENVC, 1.º e 2ª ed. 1990; Tesouros de Viana – Roteiro Monumental e Artístico, GDCT ENVC, 1999; Talha – Roteiro no Concelho de Viana do Castelo, Câmara Municipal de Viana do Castelo, Janeiro 2019.

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